Bispos dos EUA rebatem "Paixão de Cristo" com livro

Qui, 26 Fev - 18h05

Por Michael Conlon

CHICAGO (Reuters) - Enquanto "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, atraiu multidões aos cinemas norte-americanos, em meio a acusações de que revive sentimentos ancestrais de ódio aos judeus, a liderança da Igreja Católica norte-americana lançou um livro reafirmando sua posição contra o anti-semitismo.

O livro, cujo lançamento coincide com a estréia do filme de Gibson, lembra aos leitores a visão da Igreja Católica de que a culpa pela traição e a crucificação de Jesus Cristo, conforme descritas na Bíblia, não deve ser atribuída aos judeus.

"Nem todos os judeus da época, de maneira indiscriminada, nem os judeus de hoje podem ser acusados dos crimes cometidos durante a Paixão", diz o livro, numa declaração central feita pelo Segundo Concílio Vaticano há 40 anos.

A controvérsia que cerca o filme de Gibson representa uma nova oportunidade de instruir os fiéis e abrir discussões entre judeus e cristãos, disse a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, ao anunciar a publicação de "The Bible, the Jews and the Death of Jesus" (A Bíblia, os Judeus e a Morte de Jesus).

Os bispos não fizeram nenhuma menção ao filme de Mel Gibson, que retrata com violência explícita as últimas 12 horas da vida de Jesus, tampouco indicaram que o lançamento do livro intencionalmente coincidiu com a estréia do filme.

Mas William Ryan, porta-voz da Conferência dos Bispos, disse esta semana que é evidente que o livro foi lançado "porque tantas pessoas estão falando de anti-semitismo neste momento".

O livro também contém uma instrução difundida pelos bispos norte-americanos em 1988 sobre como avaliar as dramatizações da Paixão de Cristo. O documento diz que os judeus não devem ser retratados como "inimigos implacáveis de Cristo".

Os críticos do filme discordam quanto a seu possível caráter anti-semita, mas, segundo especialistas, não há dúvida de que, historicamente, as encenações da Paixão têm sido ligadas à violência contra judeus.

A professora de história Doris Bergen, da Universidade de Notre Dame, disse que os pogroms (massacres de judeus, especialmente na Europa oriental) com frequência ocorriam na época da Páscoa, justamente quando as peças da Paixão eram encenadas. Logo, parece ser amplamente aceita a existência de um vínculo entre as duas coisas.

Além disso, disse ela, é fato documentado que em 1934 o líder nazista Adolf Hitler assistiu à encenação da Paixão de Cristo em Oberammergau, uma tradição que se repete há quatro séculos, e a utilizou para justificar ainda mais seu anti-semitismo já claramente articulado, dizendo que a peça demonstrava "a imundície dos judeus".

Embora o Segundo Concílio Vaticano talvez seja lembrado hoje mais pelas modificações que promoveu na liturgia, sua posição sobre o anti-semitismo foi um fato de importância maior na época, de acordo com Lawrence Cunningham, diretor do departamento de teologia da Universidade de Notre Dame.

Cunningham disse que um documento do Concilio mostrou que "a igreja moderna tem consciência plena, especialmente na era pós-nazista, de como o anti-semitismo pode decorrer da maneira como podem ser apresentados os Evangelhos e a Paixão de Cristo".

Mais tarde, a igreja removeu das orações da Sexta-feira Santa uma que falava dos "judeus pérfidos", acrescentou Cunningham.

Fonte: http://br.news.yahoo.com/040226/5/ii62.html 

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