O
Uso de Dramatizações na Igreja
O
Antigo e o Novo Testamentos estão permeados de dramatizações simbólicas.
ALBERTO
R. TIMM -- Diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White do Brasil e
Professor de Teologia no IAE – Campus Central.
Especialistas
na área de comunicação têm afirmado que aprendemos 83% das informações do
mundo exterior através da visão; 11 através da audição; e 6% distribuídos
entre o tato, o olfato e o paladar. Isto significa que lembramos muito mais
daquilo que vemos do que daquilo que meramente ouvimos.
Se a
visão é tão eficaz no processo da comunicação, deveria Igreja Adventista do
Sétimo Dia valer-se apenas de recursos auditivos na proclamação do
“evangelho eterno” (Apoc. 14:6)? Até
que ponto poderia esta denominação incorporar recursos visuais e dramatizações
em seus serviços
religiosos, sem com isso infringir princípios expostos na Bíblia e nos
escritos de Ellen White?
A fim
de respondermos a estas questões, consideraremos, inicialmente, alguns
antecedentes do uso de dramatizações na literatura bíblica e nos escritos da
Sra. White. Procuraremos, então, identificar alguns princípios básicos que
poderão nos ajudar a estabelecer parâmetros seguros sobre o assunto.
No
Antigo Testamento
A
liturgia do Antigo Testamento centralizava-se nos rituais simbólicos, primeiro,
dos altares patriarcais; depois, do tabernáculo mosaico; e, por último, do
templo de Jerusalém. Esses serviços,
ministrados por sacerdote (cf. Êxo. 28 e 29; Lev. 8), constituíam uma
prefiguração dramática da salvação que haveria de se concretizar através
do sacrifício e do sacerdócio de Cristo. Animais representavam a
Cristo; a imolação desses animais simbolizava a morte de Cristo; e o sangue
deles prefigurava o sangue de Cristo. Também as festas de Israel eram marcadas
por inúmeras dramatizações (ver Êxo. 12:1-27; Lev. 16 e 23). Ellen White
denomina todo esse sistema centralizado no santuário de “o evangelho em
figura”.1
Outro
ato religioso dramático do Antigo Testamento era a cerimônia da circuncisão.
Esse ato foi ordenado por Deus como um símbolo exterior do concerto entre Ele e
Seu povo.
Em Números
21:4-9, Deus ordenou que Moisés preparasse e levantasse uma “serpente de
bronze”, como um símbolo de Cristo. Todos aqueles que olhassem com fé para
aquela serpente, viveriam.
Dramatizações
são encontradas também nos livros proféticos do Antigo Testamento. O
próprio Deus usou recursos pictóricos para descrever realidades sócio-políticas
e religiosas nas visões proféticas registradas em tais livros, como Ezequiel,
Daniel e Zacarias. Por exemplo, a
Segunda Vinda de Cristo é representada pela grande pedra que feriu os pés da
estátua. Já no capítulo 1 de Oséias, encontramos Deus ordenando que o próprio
profeta (Oséias) dramatizasse a apostasia espiritual de Israel casando-se com
uma prostituta.
Portanto,
o uso de recursos visuais (incluindo dramatizações) permeava o culto do Antigo
Testamento. Tais recursos eram parte do serviço do santuário, da cerimônia da
circuncisão e dos ensinos proféticos. Mas o emprego de tais recursos não se
limita apenas ao Antigo Testamento.
No
Novo Testamento
Os
quatro Evangelhos apresentam inúmeras ocasiões em que Cristo usou ilustrações
vívidas da Natureza e da vida diária para ensinar lições espirituais. Ele não
apenas Se valeu do recurso didático das parábolas, mas até comparou-Se a Si
mesmo com tais figuras como a água (João 4:10), o pão (6:41 e 48), a luz
(8:12), a porta (10:9), o pastor (10:14) e a videira (15:1-5).
A
própria cerimônia do Batismo é uma dramatização simbólica, instituída por
Cristo para marcar o início de uma vida de consagração a Deus. Cristo
não apenas submeteu-se a essa cerimônia (Mat. 3:13-17), mas também ordenou
que ela fosse ministrada a todos quantos aceitassem o evangelho (28:18-20).
Até
mesmo Sua morte dramática sobre a cruz tinha propósitos didáticos.
Ellen White declara que “a cruz é uma revelação, aos nossos sentidos
embotados, da dor que o pecado, desde o seu início, acarretou ao coração de
Deus”.2 Ela acrescenta que “o Calvário aís está como um
monumento do estupendo sacrifício exigido para espiar a transgressão da lei
divina”.
Esse
evento dramático ocorreu sobre uma cruz com o objetivo de tocar “os nossos
sentimentos embotados”.4 Ele é relembrado simbolicamente
através da cerimônia da Santa Ceia (ver Mat. 26:17-30; João 13:1-20), que é,
por sua vez, uma dramatização litúrgica ordenada por Cristo para ser repetida
periodicamente por Seus seguidores (cf. João 13:13-17; I Cor. 11:23-26).
À
semelhança de alguns livros proféticos do Antigo Testamento, o
conteúdo do Apocalipse de João é caracterizado por dramatizações simbólicas,
que descrevem pictoricamente o desenvolvimento do plano da salvação no
contexto do grande conflito entre as forças do bem e dos poderes do mal.
Por
conseguinte, o Antigo e o Novo Testamentos estão permeados de dramatizações
simbólicas. Especialmente o Batismo e a
Santa Ceia são dramatizações do plano de salvação, instituídas pelo próprio
Cristo como parte da liturgia de Sua igreja.
Nos
Escritos de Ellen White5
Analisando-se
os escritos de Ellen White, percebe-se, por um lado, que ela: (1)
endossa reiteradas vezes as dramatizações litúrgicas do Antigo Testamento (o
cerimonial do santuário,etc.); (2) enaltece as dramatizações litúrgicas do
Novo Testamento (o Batismo, o Lava-Pés, a Santa Ceia, etc.); (3) engrandece o
ritual sacerdotal de cristo no Céu; (4) não criticou a dramatização a
que assistiu na Escola Sabatina de Battle Creek, em 18886; (5) não
condenou a encenação do Natal de 1888, em Battle Creek; mas simplesmente
expressou sua aprovação aos pontos positivos do programa e sua desaprovação
aos pontos negativos7; e (6) não condenou o uso das bestas de Daniel
e do Apocalipse como ilustrações evangelísticas.
Por
outro lado, várias citações de Ellen White desaprovam o uso de qualquer tipo
de exibicionismo teatral.8
Estariam essas citações condenando todo tipo de dramatização? Eu creio que não,
pois, se assim fosse, teríamos que eliminar até mesmo o Batismo e a Santa Ceia
de nossas igrejas.
É
interessante notarmos que as próprias citações de Ellen White que desaprovam
o uso de exibições teatrais, identificam também as características negativas
básicas que a levaram a se opor a tais exibições. Dentre essas características,
destacamos as seguintes: (1) afastam de Deus; (2) levam a perder de vista os
interesses eternos; (3) alimentam o orgulho; (4) excitam a paixão; (5)
glorificam o vício; (6) estimulam o sensualismo; e (7) depravam a imaginação.9
Disto
inferimos que dramatizações são aceitáveis em contrapartida, quando:
(1) aproximam de Deus; (2) chamam a atenção para os interesses eternos; (3) não
alimentam o orgulho; (4) não excitam a paixão; (5) desaprovam o vício; (6) não
estimulam o sensualismo; e (7) elevam a imaginação.
Na
Igreja Adventista
Grupos
de dramatização têm participado freqüentemente em vários programas de TV
mantidos pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, ao redor do mundo. Elencos
especiais de dramatização foram necessários também para a produção dos
filmes e/ou videocassetes Um em Vinte Mil (EUA), O Grande Conflito
(Argentina), Heróis da Fé (Austrália), O Barquinho Azul
(Brasil) e muitos outros. Evangelistas adventistas usam um número significativo
de filmes em suas séries de conferências públicas.
Dramatizações
fazem parte ainda da vida da grande maioria dos internatos mantidos pela
denominação. Elas são usadas também em nível de igrejas locais, tanto em
programas alusivos ao Dia das Mães e ao Natal, como nos departamentos infantis
da Escola Sabatina.
Várias
dessas dramatizações têm elevado espiritualmente tanto os apresentadores como
aos que a elas assistem. Existem, no entanto, aqueles que pensam que os fins
justificam os meios e que boas intenções são único critério determinante
para a aceitação de um determinado programa. Mas se restringíssemos os critérios
apenas ao nível das intenções, certamente incorreríamos no grave erro de
abrirmos as portas a todo e qualquer tipo de programação “culturalmente”
aceitável.
Critérios
básicos
Cuidadosa
consideração deve ser dada, não apenas às intenções, mas também à própria
natureza do programa, à escolha dos participantes, bem como ao tempo e local
adequados tanto para o ensaio como para a apresentação da cena.
As
dramatizações devem: (1) evitar o elemento jocoso e vulgar; (2) evitar o uso
de fantoches (animais e árvores que falam, etc.); (3) ser bíblica e
historicamente leal aos fatos, como estes realmente ocorreram; e, acima de tudo,
(4) exaltar a Deus e Sua Palavra (e não os apresentadores da programação).
Já os
apresentadores devem ser pessoas cuja vida espiritual e conduta estejam em plena
conformidade com os princípios adventistas, e que estejam dispostos a acatar as
orientações da liderança da congregação local e das organizações
superiores da denominação. Prudente seria que todos os participantes de um
elenco de dramatização fossem escolhidos com base nas diretrizes sugeridas
pelo Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia para a seleção dos “membros
do coro da igreja”.10
A
liderança da igreja, por sua vez, é responsável por prover orientações
adequadas aos apresentadores das dramatizações. A ela compete exercer uma função
equilibradora, para que as programações sejam um meio (e não um fim)
de melhor glorificar a Deus e de mais efetivamente comunicar o Evangelho ao
mundo. Jamais deve permitir que dramatizações venham obliterar a centralidade
da pregação da Palavra na liturgia adventista.
Portanto,
dramatizações permeiam a liturgia tanto do Antigo como do Novo Testamentos.
Ellen White, por sua vez, não condena todo tipo de dramatização, mas
apenas as exibições teatrais que afastam de Deus, levam a perder de vista os
interesses eternos, alimentam o orgulho, excitam a paixão, glorificam o vício,
estimulam o sensualismo e depravam a imaginação.
Se
alegarmos que toda e qualquer dramatização é inapropriada, teremos, conseqüentemente,
de suspender: (1) o uso de filmes, que são produto de dramatizações; (2) a
maior parte das programações dos departamentos infantis da Escola Sabatina
(colocar coroas na cabeça das crianças, cenas do Céu, etc.); (3) todas as
“cantatas” e grande parte das apresentações musicais de nossas igrejas; e,
até mesmo (4) a celebração das cerimônias
do batismo e da Santa Ceia.
Por outro lado, devemos ser cuidadosos tanto na avaliação da natureza do programa, como na escolha dos apresentadores e do tempo e do local dos ensaios e da apresentação. O uso adequado de dramatizações implica não meramente em agirmos em conformidade com nossa própria consciência (sendo ela santificada), mas também com base nos princípios bíblicos e dos escritos de Ellen White. Toda cena deve glorificar a Deus e não aos apresentadores. -- (Publicado na Revista Adventista, edição brasileira, de setembro de 1996, págs. 8 e 9.)
Referências:
1.
Fundamentos
da Educação Cristã,
pág. 238.
2.
Educação,
pág. 263.
3.
Caminho a
Cristo, pág. 33.
4.
Educação,
pág. 263.
5.
Para um estudo mais detido das declarações de Ellen White sobre
dramatizações, ver Arthur L. White, “Representações Dramáticas em
Instituições Adventistas” (Documento disponível no Centro de Pesquisas
Ellen G. White, Instituto Adventista de Ensino – Campus Central, Engenheiro
Coelho, SP). Tais declarações podem ser melhor compreendidas através da
leitura do artigo intitulado “Divertindo as Massas”, de Benjamim McArthur,
em: Gary Land, ed., The World of Ellen G. White (Washington, DC: Review
and Herald, 1987), págs. 177-191.
6.
A. L. White, “Representações Dramáticas em Instituições
Adventistas”, pág. 1.
7.
Idem,
págs. 5 e 6.
8.
As principais citações de Ellen White nas quais ela expressa sua
desaprovação ao uso de exibições teatrais, encontram-se no livro Evangelismo,
págs. 136-140.
9.
Ver A. L. White, “Representações Dramáticas em Instituições
Adventistas”.
10.
Ver Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 8ª ed. (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1992), pág. 111.