Os
Desaparecidos
Em
uma tarde de verão, como parte de nosso culto familiar, li o quarto capítulo
de 1ª Tessalonicenses. Antes de me retirar para descansar, sentei-me na minha
poltrona preferida e meditei nos últimos versículos do capítulo.
Enquanto meditava,
adormeci profundamente e tive um sonho maravilhoso. Em minha mente tudo parecia
estar claro e nítido, e minhas faculdades intelectuais eram mais fortes e hábeis
do que normalmente.
Sonhei que tinha
acordado de manhã e ficado um tanto surpreso ao ver que minha esposa não
estava do meu lado como sempre. Imaginando, no entanto, que sua ausência era
temporária, aguardei, esperando seu breve retorno ao nosso quarto; mas depois
de um espaço de tempo que eu considerei razoável, como ela não apareceu, me
levantei e me vesti.
As roupas de minha
esposa se encontravam onde ela as tinha deixado quando foi dormir, e eu estava
certo de que ela estaria em algum lugar da casa. Então fui ao quarto de minha
filha Júlia, imaginando que ela pudesse saber por onde andava a sua mãe, mas
depois de bater na porta várias vezes sem obter resposta, entrei e descobri que
ela também tinha desaparecido. "Estranho, muito estranho", disse
comigo mesmo; onde será que elas podem estar?"
Então fui ao
quarto do nosso filho Frank, e encontrei-o de pé e já vestido, o que era algo
bastante raro para ele assim tão cedo de manhã. Ele disse que tinha tido uma
noite perturbada e achou que seria melhor levantar. Eu contei-lhe da ausência
de sua mãe e irmã e pedi que desse uma olhada pela casa para ver se as
encontrava. Enquanto isso, eu rapidamente terminei de me arrumar e logo Frank
retornou dizendo que as desaparecidas não estavam em lugar algum e que todas as
portas que davam para a rua estavam seguramente trancadas, como na noite
anterior. Nós não conseguíamos pensar em mais nada e não sabíamos o que
fazer a respeito desse estranho acontecimento.
Quando novamente
fomos ao quarto de Júlia, encontramos na mesinha de cabeceira sua Bíblia
aberta e marcada. Um versículo destacado atraiu minha atenção: "Por
isso ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o
Filho do homem virá" (Mt 24.44).
Minha esposa sempre
dizia que essa passagem referia-se à vinda de Cristo para os Seus santos, a
Igreja redimida, enquanto eu insistia em dizer que ela significava simplesmente
a preparação para a morte. Mas, estou fugindo do assunto. Frank e eu concluímos
que, sem tomar nosso café da manhã, deveríamos cada um seguir uma rota
diferente e visitar alguns dos nossos amigos mais íntimos em busca de nossas
queridas.
Primeiro, fui à
casa da irmã da minha esposa, a Sra. E., e do seu marido, que eram pessoas boas
e respeitáveis, membros de uma igreja cristã, embora com mentes um pouco
mundanas. Depois que toquei a campainha várias vezes e esperei um tanto
impacientemente, ela apareceu e pediu desculpas pela demora, dizendo que estava
com um monte de problemas e teve que preparar ela mesma o café da manhã porque
sua empregada, a quem sempre havia considerado uma boa cristã, tinha feito uma
brincadeira de mau gosto: "Ela saiu para algum lugar sem nem sequer colocar
a chaleira no fogo ou dizer uma palavra para qualquer um de nós. Mas, o que nos
deixa confusos é como ela saiu da casa, porque todas as portas estão trancadas
e as chaves estão aqui dentro, exatamente como nós as havíamos deixado ontem
à noite quando voltamos da festa da Sra. B."
"É
verdade", eu disse, "é realmente muito estranho", e então lhe
expliquei o motivo da minha visita matinal. Quando ouviu sobre o desaparecimento
misterioso da minha esposa e de Júlia, ela ficou tão nervosa que fiquei feliz
em mudar de assunto dizendo que, como eu não tinha tomado café da manhã, me
juntaria a eles para o desjejum. Quando o seu marido ouviu a minha história,
ele não deu muita importância, dizendo que minha esposa estava somente fazendo
uma brincadeira para fazer com que eu me levantasse mais cedo de manhã. Ele
estava certo de que as desaparecidas tinham se escondido em algum lugar da casa,
e que quando eu voltasse as encontraria bem.
Enquanto nos sentávamos
à mesa, a Sra. E. disse que teríamos que tomar café sem leite, já que o
leiteiro, que até então tinha sido muito confiável, não tinha aparecido. Então
a campainha tocou, e Frank entrou na casa em estado de grande nervosismo,
dizendo que tinha ido a todos os lugares perguntando pela mãe, e em quase todas
as casas havia encontrado um problema semelhante ao nosso. Quase todo mundo
estava ansiosamente procurando por pessoas desaparecidas. Ele também disse que
as ruas estavam cheias de pessoas agitadas, andando de um lado para outro,
muitas delas chorando amargamente.
Nem conseguimos
terminar o café da manhã antes que aparecessem pessoas na porta perguntando
sobre vizinhos desaparecidos. Entre os que telefonaram estava o Sr. H., que nos
deixou atônitos quando nos disse que seus dois filhos menores, de dez e doze
anos de idade, tinham sumido juntamente com a avó, que tinha estado de cama por
mais de seis anos. Diante dessa afirmação, o Sr. E. ficou visivelmente
alarmado e nos relatou uma conversa que tinha achado um tanto herética: um
amigo dele insistia que uma grande maioria dos membros das igreja nos dias de
hoje não eram nada além de cristãos nominais, "antes amigos dos
prazeres que amigos de Deus", e que o amor das massas pelas coisas
espirituais tinha alcançado um nível muito baixo. "Meu amigo também me
assegurou", disse o Sr. E., "que as Escrituras claramente ensinam que
quando o número de eleitos da Igreja de Cristo estivesse completo, Cristo viria
tão inesperadamente como um ladrão na noite, e chamaria os Seus santos, mortos
e vivos, para encontrá-lO nos ares. A transformação seria efetuada em um
piscar de olhos; e embora a chamada seria feita com um grito e o som de
uma trombeta, ninguém além daqueles aos quais ela fosse destinada a ouviria.
Eu temo que esse tempo já chegou e, infelizmente, nós estamos entre os
que ficaram!"
Por causa do avançado
da hora nos foi sugerido que fôssemos aos nossos lugares de trabalho. Frank já
tinha ido para seu escritório, e eu, com o coração pesado, fui caminhando
pela avenida em meio a uma multidão estranha de homens e mulheres cujos rostos
demonstravam intenso sofrimento.
No centro comercial
da cidade, observei que muitas lojas estavam fechadas, e aquelas que continuavam
abertas não pareciam ter muito serviço. Cada bar pelo qual eu passava estava
aberto, como sempre, com grupos de homens do lado de fora, aparentemente
engajados em sérias discussões. Quando passei pelo prédio da prefeitura da
cidade, não havia uma diminuição perceptível da multidão costumeira de
"apadrinhados" políticos em volta do edifício.
Quando cheguei à
minha própria loja, percebi que meu contador e o velho e fiel porteiro, que
tinham me servido por tantos anos, ainda não tinham aparecido. Meus outros dois
vendedores estavam por ali, não fazendo nada; e eu também não estava com ânimo
de pedir-lhes que fizessem alguma coisa. Então, fui à Bolsa de Valores, e
encontrei o maior ajuntamento de negociantes que já tinha visto ali em meses.
Ao invés da balbúrdia e barulheira de compras e vendas, dos funcionários e
mensageiros correndo de um lado para outro, havia uma tristeza solene espalhada
sobre todos os presentes. Por consentimento unânime, e em conseqüência da
grande calamidade que tinha tomado a comunidade, foi votado que "seria
permitido um adiamento de três dias sobre todos os contratos que vencessem
naquele dia."
Não vou tentar
explicar as razões e especulações que foram levantadas como sendo a causa
dessa situação tão problemática, mas todos concordamos que o acontecimento
era sobrenatural, e que, de alguma forma, nós que fomos deixados na terra, éramos
culpados por isso. À tarde, por consentimento geral, trabalhos de todos os
tipos foram suspensos, exceto nas redondezas dos bares, onde prevalecia uma
grande desordem. Aqui e ali havia grupos de pessoas em conversas sérias. Em um
deles estava um homem que parecia ser bem versado nas Escrituras e enquanto eu
me aproximava ele estava dizendo: "Hoje é o dia sobre o qual Jesus falou,
mas no qual nenhum de nós creu. E agora nós estamos começando a perceber o
quanto fomos tolos."
Naquela noite,
quase todas as igrejas da cidade ficaram abertas e superlotadas. Todo mundo
estava ansioso para saber a causa e o significado da "grande visitação"
e para saber como as esperanças perdidas poderiam ser recuperadas. Muitos dos
pastores também tinham desaparecido, mas alguns estavam presentes em suas
igrejas. Toda ordem do culto foi esquecida e reinava uma confusão barulhenta.
Incriminações e recriminações eram trocadas entre os pastores e o povo. As
pessoas diziam que, se os pastores tivessem feito o seu trabalho e ensinado ao
seu rebanho as verdades plenas da Bíblia, ao invés de fazê-los dormir com
mensagens filosóficas e morais, eles não estariam agora nesta triste condição.
Na minha própria
igreja, o pastor estava presente, junto com muitas outras pessoas que eu
raramente via nas reuniões da igreja. A maioria dos servos ativos e dos
adoradores constantes estavam ausentes. Ocasionalmente se ouviam gemidos e
suspiros profundos de várias partes do recinto. Alguns estavam lamentando a
perda de filhos, outros de maridos, de esposas, de pais e mães. O pastor estava
falando quando entrei no salão, e pedia à audiência que tentasse acalmar seus
sentimentos. Ele disse: "Nenhum de vocês pode entender o desapontamento
profundo que estou experimentando com esse resultado do meu trabalho. Estou
sendo acusado de ter pregado demais sobre os assuntos desta vida e muito pouco
sobre o lar celestial e as coisas por vir; e de tê-los mantido na ignorância
da iminência da terrível visitação que tem se manifestado entre nós neste
dia. Em resposta a essas acusações, só posso dizer que tenho ensinado a vocês
a mesma teologia que me foi ensinada no seminário, que é: tratar a Bíblia
basicamente como um livro de simbologias e alegorias espirituais."
"Mas agora confesso que infelizmente eu estava enganado, porque depois do
que aconteceu não posso deixar de acreditar que a Palavra de Deus significa
exatamente o que ela diz. Estou feliz em dizer-lhes, no entanto, para o seu
consolo, que desde hoje de manhã, após fazer um exame das Escrituras, em espírito
de oração, quanto à nossa presente condição, constatei que ainda temos
esperança."
Então um coro de
vozes exclamou: "Graças a Deus por isso!" O pastor continuou:
"Embora tenhamos perdido o glorioso privilégio dos santos arrebatados, a
salvação ainda pode ser nossa se, humilde e verdadeiramente, a aceitarmos.
Talvez tenhamos que passar por provações e tribulações maiores do que
qualquer uma que o mundo tenha algum dia experimentado, antes que alcancemos o
Reino, mas aquele que perseverar até o fim será salvo."
Aí, de repente a
luz elétrica apagou e todos gritaram tão amedrontados que eu pulei, fiquei
em pé, apavorado – e – acordei!
Minha esposa, que
estava em uma sala ao lado, ouvindo o meu súbito pulo, correu para ver qual era
o problema. Oh!, como fiquei feliz em vê-la e perceber que essa terrível
experiência na minha poltrona tinha sido apenas um sonho! Mas, quanto mais eu
pensava a respeito depois, mais solenes pareciam ser as verdades bíblicas que
ele continha, e eu fiquei cada vez mais impressionado com a importância de
termos nossas lâmpadas limpas e acesas, prontos para ir ao encontro do Noivo. (Pre-Trib
Perspectives, 3/95, traduzido por Ebenézer Bittencourt)
Publicado anteriormente na revista “Chamada da meia-noite”- novembro de 1996.