Provavelmente, todo
estudante das Sagradas Escrituras já passou pela experiência de, ao decidir
estudar a Bíblia em sua totalidade (por exemplo seguindo o “ano bíblico”),
sentir um profundo desânimo ao enfrentar livros tais como Levítico ou
Deuteronômio devido à grande quantidade de leis e descrições cerimoniais
que eles contem. Ao se depararem com tal situação, alguns se perguntam que
proveito pode ter, para o cristão do século vinte, estudar as cerimônias
praticadas pelos israelitas num passado tão remoto. Como o estudo de tais
assuntos pode dar satisfazer necessidades de nossa alma ? Múltiplas razões
podem ser dadas.
Primeiro,
devemos notar que estando a vida religiosa do povo de Israel centrada no santuário,
referências ao sistema ritual permeiam todas as Escrituras. Encontramos
conceitos relativos ao santuário não só no Pentateuco, mas também nos
Salmos, nos livros históricos, nos profetas e até mesmo no Novo Testamento.
Há algumas passagens bíblicas que não podem ser totalmente compreendidas a
menos que tenhamos algum conhecimento do Santuário e suas cerimônias. Um
exemplo se encontra em Mateus 26:63-65. Perante a declaração de Jesus
afirmando ser o Messias, o Sumo Sacerdote Caifás rasgou suas vestes, atitude
que lhe era proibida sob pena de morte (Levítico 21:10 e 10:6). Temos então
que o verdadeiro condenado a morte era Caifás e não Jesus (Na verdade, este
fato já invalidava o sacerdócio levítico para ser substituído pelo sacerdócio
eterno de Jesus).
Em
segundo lugar, por ser o sistema cerimonial uma representação tridimensional
do evangelho, compreendemos que seu estudo pode significar um maior
entendimento de verdades eternas, especialmente, da obra que Cristo realizou e
está realizando em nosso favor.
Uma
terceira razão para o estudo do Santuário é o fato de que muitas das
profecias de Daniel e Apocalipse estão cheias de símbolos relacionados ao
Santuário, logo se queremos entender as profecias devemos entender o Santuário.
As
razões anteriores são válidas para todos os cristãos independentemente da
sua denominação. Mas para os Adventistas do Sétimo Dia há uma razão
adicional para o estudo do Santuário. Toda a estrutura teológica da Igreja
Adventista depende da sua compreensão do Santuário e sua relação com o
ministério sumo-sacerdotal de Cristo. Talvez por esta razão, durante toda a
história da Igreja, muitos têm levantado críticas contra esta doutrina. A
última delas foi feita pelo teólogo australiano Dr. Desmond Ford no começo
da década de 1980, provocando grande impacto nos círculos adventistas,
obrigando a Igreja à um profundo estudo das suas posições tradicionais, do
qual, felizmente, saiu fortalecida teologicamente. Porém, isto nos mostra a
necessidade de realizarmos um estudo o mais profundo possível nesta matéria
para que a nossa fé possa estar baseada em firmes fundamentos e estejamos
sempre prontos a dar a razão dela.
A
idéia de sacrifício aparece em toda a Bíblia. A primeira menção explícita
de um sacrifício aparece em Gênesis 4:3-5 (para alguns, a primeira evidência
implícita da realização de um sacrifício se encontra em Gênesis 3:21) e a
última referência a tal assunto, a encontramos em Apocalipse 22 onde Jesus
é simbolizado por um cordeiro.
No
período patriarcal, os sacrifícios representam um profundo ato de adoração
chegando a ser uma suprema demonstração de lealdade como no caso de Abraão
ao estar disposto a sacrificar seu próprio filho, o filho da promessa.Estas
mesmas componentes de adoração e lealdade estão presentes no relato dos
sacrifícios oferecidos por Caim e Abel. No livro de Jó aparece um outro
aspecto importante do sacrifício: o sacrifício pelo pecado. Jó tinha por
costume oferecer holocaustos pelos possíveis pecados que seus filhos pudessem
ter cometido (notemos também a atitude intercessora e, de alguma forma,
sacerdotal do patriarca). Na economia de Israel, existiam diversos tipos de
sacrifícios (oferta pacífica, sacrifício de comunhão, sacrifício pelo
pecado, holocaustos diários, etc.) que refletem os diferentes aspectos já
mencionados.
Mas
apesar de toda esta riqueza temática encontrada na Bíblia acerca dos sacrifícios,
podemos nos perguntar, por que Deus instituiu um sistema ritual aparentemente
tão cruel ? Responderemos esta importante pergunta especificamente no caso do
sacrifício pelo pecado. No sistema de sacrifícios podemos identificar três
ensinamentos básicos, a saber:
A
conseqüência do pecado é a morte.
Como veremos com mais detalhes posteriormente, quando uma pessoa comum pecava
devia sacrificar uma cabra (Levítico 4:27-29) . Cada vez que havia um pecado
alguém (no caso, a cabra) tinha que morrer por causa desse pecado. ``Sem
derramamento de sangue não há remissão" (Hebreus 9:22)
O
pecador precisa de um substituto.
Sabemos já que a conseqüência do pecado é a morte (Gênesis 2:17, Romanos
6:23), mas também sabemos que todos nós somos pecadores e portanto estamos
todos condenados a morte. Mas o ritual de sacrifício mostra que há um
substituto, alguém que toma o lugar do pecador e recebe a penalidade no seu
lugar permitindo que o pecador seja perdoado e viva.
O
horror do pecado. Sem dúvida
o ritual do sacrifício era uma experiência dramática. O próprio pecador
devia matar o animal sacrificado (Levítico 4:27-29) salientando dessa forma
que a vítima inocente morria pela sua causa. Assim, Deus queria mostrar toda
a malignidade do pecado. Ao ver os símbolos dos sacrifícios se realizarem na
vida de Jesus, não podemos escapar ao vívido pensamento de que foram nossos
pecados que levaram o Filho de Deus a morrer numa cruz.
Deus
ordenou a Moisés que construísse um santuário onde através de rituais e
cerimônias pudessem ser ensinadas as eternas verdades do evangelho. Hoje
temos em Jesus o nosso grande Sumo Sacerdote, ministro do verdadeiro santuário
(Hebreus 8:1,2), cumprindo todo aquilo que os velhos rituais anunciavam acerca
dEle. É hora, portanto, de conhecer alguns detalhes deste sistema de adoração
O
santuário construído no deserto ficava no centro da congregação, fato que
realizava o desejo de Deus de morar no meio do Seu povo (Ex. 25:8). O santuário
consistia em duas partes: o Átrio e o Templo propriamente dito. Este último
estava dividido em dois departamentos, a saber, o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo.
Sua orientação era tal que sua porta olhava para o Leste. Desta forma o
adorador, ao entrar no santuário, dava as costas para o sol nascente, tão
adorado pelos povos pagãos.
O
Átrio (ou pátio) era o único lugar do santuário onde podia entrar o
adorador. Neste lugar eram também realizados os sacrifícios. Ao entrar, o
adorador encontrava primeiramente o chamado Altar dos Holocaustos (Ex.27:1-8,
38:1-7), onde eram queimados os sacrifícios. Este altar era feito de madeira
de acácia e recoberto em bronze. Em cada um dos seus quatro cantos havia uma
ponta (Ex.27:2). Entre o Altar dos Holocaustos e a entrada do templo, havia
uma pia de bronze na qual permanentemente havia água para que os sacerdotes
lavassem os pés e as mãos antes de entrar no santuário ou antes de fazer o
sacrifício (Ex. 30:17-21). Pelo fato de ser o átrio o único lugar onde
podia estar o adorador e também o lugar onde era realizado o sacrifício,
podemos dizer que o pátio do santuário representa a Terra.
Se
pudéssemos entrar no Lugar Santo, através do primeiro véu, perceberíamos a
existência de três móveis no seu interior: O candelabro (no lado Sul), o
altar de incenso (no lado Oeste) e a mesa com os pães da proposição (no
lado Norte).
O
Candelabro:
Este
(Ex. 25:31-40, 37:17-24) era feito de ouro puro e tinha sete lâmpadas (de óleo)
que deviam ficar permanentemente acesas. Em Apoc. 1:12-13, João descreve
Jesus andando entre sete candelabros e o verso 20 nos diz que os candelabros
representam “as sete igrejas". Portanto, somos autorizados a pensar que
no simbolismo do candelabro de ouro podemos ver o Espírito Santo (o óleo)
atuando na Igreja possibilitando que seja “a luz do mundo".
O
Altar de Incenso:
Este
(Ex. 30:1-10, 37:25-28) era, assim como o Altar dos Holocaustos, construído
em madeira de acácia. Porém seu revestimento era de ouro puro. O Altar de
Incenso tinha também pontas em cada um dos seus quatro cantos. Encontrava-se
no Lugar Santo frente ao véu que separava o Lugar Santo do Santíssimo. Era
aqui que os sacerdotes queimavam diariamente incenso como interseção pelo
povo de Israel. Este incenso queimado representava as orações dos santos
(Apoc. 8:4).
A
Mesa e os Pães da Proposição:
No
lado Norte do Lugar Santo, encontrava-se a mesa onde eram colocados os Pães
da Proposição. Esta mesa era feita de madeira de acácia e estava recoberta
de ouro puro. Doze pães eram colocados sobre ela formando duas colunas de
seis pães. Sobre cada coluna era colocado um copo com incenso (Lev. 24:7). O
significado primário dos pães talvez tenha sido o reconhecimento de Deus
como o grande provedor e da conseqüente dependência do povo. Mas uma segunda
aplicação, de caráter messiânico, pode ser feita. Jesus declarou ser o pão
da vida (João 6:35), portanto podemos pensar nos pães como símbolos de
Cristo.
É
interessante constatar que Isaias nos informa que Lúcifer pretendeu colocar
seu trono “no monte do testemunho, nos lados do Norte", isto é,
pretendia ocupar o lugar de Cristo.
Após
o segundo véu, estava o Lugar Santíssimo (Heb. 9:3), onde só o Sumo
Sacerdote podia entrar e somente uma vez ao ano (no Dia da Expiação). Nesta
parte de Santuário se encontrava a Arca da Aliança que continha as tábuas
da lei (representando a justiça como um dos fundamentos do governo divino),
um vaso com maná (que representa a graça de Deus dada através de Cristo, o
verdadeiro maná, ver João 6:31-35) e a vara de Arão que brotou (que
significa a aceitação do sacerdote como intercessor válido entre o homem e
Deus,vide Num. 17:8-10). Ao lado da arca foi colocado o “livro da lei"
para servir como testemunha contra o povo de Israel (Deu. 31: 26). A arca (Êxo.
25:10-22) era feita de madeira de acácia e estava completamente recoberta de
ouro. Sobre ela, a modo de tampa, foi colocado o propiciatório, feito de ouro
fino. Nas extremidades do propiciatório, foram feitas imagens de querubins
(uma de cada lado). As asas dos querubins cobriam o propiciatório (formando
um arco) e as fazes de ambos olhavam para o propiciatório. Era entre estes
querubins que se manifestava a shekinah (a manifestação de Deus em
forma de uma luz gloriosa). Neste sentido, a arca representava o trono de
Deus. É interessante notar que em Gênesis 3:24 Deus colocou querubins e a
“chama de espada fulgurante" (Bíblia de Jerusalém) guardando a
entrada ao Éden. Alguns comentaristas vem neste verso uma referência à
shekinah manifestada entre os querubins. Desta forma, quando o adorador
entrava ao átrio, ou os sacerdotes ministravam diariamente no Lugar Santo ou,
com maior razão, o sumo sacerdote entrava no Lugar Santíssimo, era como se,
simbolicamente, se aproximasse à entrada do Éden perdido.
Muitas
pessoas têm-se sentido confusas pelo fato de que Hebreus 9:4 parece indicar
que o Altar de Incenso estaria no Lugar Santíssimo e não no Lugar Santo como
afirmamos anteriormente. Para entender esta aparente contradição, devemos compreender
a função do Altar de Incenso.
Ao
queimar incenso no altar, o sacerdote realizava uma obra de intercessão. Como
veremos posteriormente, esta obra era realizado todo o dia. Isto por si só
nos indica que o Altar de Incenso não poderia estar dentro do Lugar Santíssimo
pois nele só podia entrar o Sumo Sacerdote e somente um dia no ano. Por outro
lado, o véu que separava os dois departamentos do Santuário, não chegava até
o teto.Isto permitia que a fumaça produzida pela queima do incenso chegasse
até o Lugar Santíssimo, indicando desta forma que as orações e a intercessão
chegavam até o trono divino. Vemos portanto que na sua função o Altar de
Incenso estava intimamente relacionado ao Lugar Santíssimo, tanto que era
possível pensar que fazia parte dele. É neste sentido que o Lugar Santíssimo
“tinha” o Altar de Incenso, não que estivesse no seu interior, mas que
estava a sua disposição.
Tão
importante quanto a estrutura do Santuário é o tema do sacerdócio
(infelizmente, por limitações de espaço nos referiremos a ele brevemente).
Todo o sistema de culto centralizado no Santuário está baseado no princípio
que o homem pecador não pode viver por si só perante um Deus santo. Da mesma
forma o pecado impede que o homem se aproxime a Deus livremente. Precisa de um
representante, um mediador, um intercessor. Para realizar este labor Deus
chamou homens a atuarem como sacerdotes.
No
período anterior a Moisés o chefe da família (e em alguma medida o primogênito)
realizava funções sacerdotais. A Bíblia menciona, por exemplo, como Abraão
construía altares e realizava sacrifícios. Mas o texto sagrado menciona
neste período sacerdotes propriamente ditos como Melquisedeque.
Quando
Israel estava no deserto Deus chamou a Arão e os seus descendentes para o ofício
sacerdotal. Eles deviam ter uma especial consagração a Deus e cumprir com as
formalidades do culto (para ver algumas das normas de santidade dos sacerdotes
referimos a Levítico 21). As vestes do Sumo Sacerdote (Lev. 28) eram ricas em
simbolismo, mas por falta de espaço só consideraremos o peitoral e as pedras
de ônix.
O
peitoral era uma rica peça quadrada onde foram colocadas doze pedras
preciosas e cada uma levava inscrito o nome de uma tribo de Israel. O peitoral
era colocado na altura do peito do Sumo Sacerdote, desta maneira se indicava
que o povo estava perto do seu coração. Adicionalmente, sobre cada ombro do
Sumo Sacerdote havia uma pedra de ônix e em cada uma delas estavam escritos
os nomes de seis tribos de Israel: o Sumo Sacerdote levava o “peso” do
povo sobre os seus ombros. Tudo isto era para mostrar que para todos os
efeitos de culto, o sacerdote era o representante de todo o povo perante Deus.
Quando o sacerdote entrava no Santuário, era como se todo povo entrasse com
ele. O sacerdote era o representante e o intercessor.
O
livro de Hebreus (Heb. 8:2) nos ensina que Cristo é o nosso Sumo Sacerdote.
Isto o torna o nosso único representante e intercessor perante Deus (I Tim.
2:5). Através dEle temos acendido a Deus e podemos entrar junto com Ele ao
interior do Santuário Celestial (Heb. 10:19)
Uma
vez construído o Santuário, deviam ser realizadas cerimônias de consagração
tanto dos sacerdotes (Ex.29:1-37, Lev 8:1-36) e do próprio Santuário (Ex.
40:9-11). Todos os móveis do templo (tanto do Lugar Santíssimo, do Lugar
Santo quanto do Átrio) deviam ser ungidos com o “óleo da unção”. Esta
obra foi realizada por Jesus no Santuário Celestial (Dan. 9:24).
Cada
dia o sacerdote devia cumprir as cerimônias realizadas no Lugar Santo. Todas
as manhãs o sacerdote devia queimar incenso no altar de ouro e por ``em ordem
as lâmpadas'' (Ex.30:7). Todas as tardinhas o sacerdote voltava a queimar
incenso e ascendia as lâmpadas do candelabro. Já foi dito que o incenso
representava as orações dos santos e que a luz nas lâmpadas representavam a
ação do Espírito Santo na igreja de todos os tempos. O ascender inicial das
lâmpadas foi cumprido por Jesus ao enviar sobre a igreja apostólica o
Consolador (o Espírito Santo) no dia de Pentecostes (Atos 2). Mas assim como
o sacerdote mantinha as lâmpadas permanentemente acesas, também o dom do Espírito
Santo está constantemente sendo oferecido a nos.
Cada
dia era oferecido em holocausto dois cordeiros de um ano. O primeiro cordeiro
era sacrificado pela manhã e era queimado no Altar dos Holocaustos até a
tardinha quando era sacrificado o segundo cordeiro que era queimado ate a manhã
(Ex.29:38-46, Num. 28:1-8). Este era o chamado holocausto contínuo e, como os
demais serviços diários, representava a contínua intercessão de Cristo em
nosso favor.
Como
já mencionamos anteriormente, o sacrifício pelo pecado fazia parte
importante do ritual do Santuário e portanto passaremos a descreve-lo com
detalhes. Perceberemos também como são ilustrados os princípios de
substituição e transferência presentes em todo este sistema de adoração
e ,mais importante ainda, em todo o plano de salvação. Ao estudar este
assunto vemos a existência de quatro casos a ser considerados.
O
Sumo Sacerdote representava o povo de Israel perante Deus, portanto se ele
pagava todo o povo se tornava culpado (Lev. 4:3) e ficava sem intercessor.
Neste caso, o Sumo Sacerdote devia tomar um novilho sem defeito e colocar a mão
sobre a cabeça do novilho. Em este ato, o sacerdote confessava o pecado,
demonstrava confiança no substituto inocente (o novilho, representando a
Cristo) e transferia o pecado para o substituto. Em seguida, o sacerdote
imolava o novilho e parte do sangue era levado ao lugar Santo e espargido sete
vezes no véu que separava o Lugar Santo do Santíssimo (de alguma forma, o véu
fazia as vezes de intercessor). Assim mesmo, o sacerdote colocava parte do
sangue nas pontas do Altar de Incenso. Desta forma o pecado era transferido ao
Santuário. O restante do sangue era derramado aos pés do Altar dos
Holocaustos representando assim o sangue de Jesus derramado no Calvário. A
gordura e os rins do novilho eram finalmente queimados no altar.
Neste
caso, o procedimento era igual ao caso anterior com a única diferença que
eram os anciãos do povo quem colocavam as mãos sobre o novilho.
Quando
era um príncipe quem pecava, devia levar um bode sem defeito, colocar a mão
sobre a cabeça do bode (com o mesmo significado que nos casos anteriores) e
imolá-lo. Então o sacerdote tomava o sangue e parte dele era colocado nas
pontas do Altar dos Holocaustos e o resto era derramado aos pés do mesmo
altar. Notemos que a diferença dos casos anteriores, o sangue não foi levado
dentro do Lugar Santo, portanto o sacerdote devia comer da carne do animal
para que então o pecado seja cerimonialmente transferido ao sacerdote (vide
Lev. 10:17-18). Novamente, a gordura era queimada no altar.
Neste
caso o pecador devia levar, dependendo de sua condição social, uma cabra ou
uma cordeira sem defeito. O restante do ritual era semelhante ao caso
anterior.
Em
todos os casos o pecador devia manifestar confiança num substituto.
Em
todos os casos os pecados eram transferidos à vítima e ao santuário ou ao
sacerdócio.
Os
cargos de maior responsabilidade exigiam uma oferta maior. O pecado dum líder
supõe uma gravidade maior pois afeta a toda a nação.
Os
mais humildes não estavam excluídos. Todos podiam oferecer pelo menos uma
cordeira. Jesus é o Cordeiro de Deus, a oferta que esta ao alcance de todos.
7 –
O Serviço Anual:
Além
do serviço diário, existia na economia israelita uma série de festas e
convocações solenes que constituíam o calendário eclesiástico e que
chamaremos o serviço anual do Santuário. Este serviço anual acha-se
descrito mais sistematicamente no capítulo 23 do livro de Levítico.
A
primeira destas festas era a Páscoa (Pesakh). Era realizada no dia 14 do
primeiro mês (Nisã ou Abib). A primeira Páscoa foi realizada por ocasião
da saída do povo israelita do Egito, evento que passou a comemorar. No
décimo dia do mês, era escolhido um cordeiro de um ano e sem defeito. Na
tardinha do décimo quarto dia o cordeiro era morto e assado. A carne devia
ser comida pela família aquela mesma noite com pães sem fermento e ervas
amargosas. Na primeira Páscoa, as portas deviam ser ungidas com sangue do
cordeiro para que a família seja libertada da praga da morte do primogênito.
A
palavra chave desta cerimônia é libertação. Por esta razão se torna um
tipo do sacrifício de Cristo. Jesus nos liberta da escravidão do pecado e da
sentença de morte que pesava sobre nós. Mas para isso Seu sangue precisava
ser derramado e Seus méritos aplicados a nós pela fé.
No
dia seguinte à Páscoa (15 de Nisã) começava a festa dos pães asmos (Hag
Hamatzot). Durante sete dias não poderia haver fermento dentro das casas dos
israelitas. Originalmente, pensava-se que os pães asmos representavam a saída
rápida do Egito, mas podemos ver aqui (e Cristo nos autoriza a faze-lo na
Santa Ceia), no cereal moído, feito farinha e logo pão, um símbolo do corpo
de Cristo quebrantado pelo homem e por causa do homem. Vemos também na ausência
de fermento o símbolo de ausência de pecado em Cristo. E somos convidados a
ingeri-lO, a faze-lO parte de nosso próprio organismo como alimento,
dando-nos, desta forma, vida.
O
primeiro e o último dia desta festa deviam ser dias de “santa convocação”
e nenhum trabalho servil devia ser feito (eram portanto sábados cerimoniais).
No
"dia seguinte ao sábado" (verso 11), isto é, no dia 16 de Nisã,
era celebrada a festa das primícias (Bikurim). Neste dia os israelitas deviam
apresentar no templo o primeiro produto (os primeiros molhos de espigas) da
colheita. O sacerdote pegava o molho e o mexia perante o Senhor.
Esta
cerimônia era um tipo da ressurreição de Cristo. Cristo é a primícia e a
garantia da ressurreição dos justos no dia a volta de Jesus (Notavelmente,
Mat. 27:52-53 nos informa que muitos santos ressurgiram junto com Cristo,
fazendo a analogia com a festa da primícias mais completa e interessante).
Notemos
como Jesus cumpriu estas festas morrendo no dia da Páscoa (14 de Nisã) e
ressuscitando no dia 16 do mês, no dia das primícias.
Cinqüenta
dias após a festa das primícias, celebrava-se a festa das semanas (chamado
em grego Pentecostes e em hebraico Shavuot). Este dia era, na verdade uma
santa convocação. Os israelitas deviam apresentar dois pães como “oferta
mexida”. Simultaneamente, eram oferecidos cordeiros e bodes como sacrifício
(na maior parte dos serviços e festas do santuário estão presentes os
sacrifícios pois sempre a aproximação do homem a Deus se faz na base dos méritos
do substituto, isto é , de Cristo).
Primariamente
a festa simbolizava o agradecimento a Deus pela colheita. No Novo Testamento
aparece associada ao derramamento do Espírito Santo (Atos 2). Esta relação
se torna mais interessante quando percebemos que Ato 2:1 pode ser traduzido
como: “Quando o dia de Pentecostes foi cumprido" (symplerousthai) que
pode ser entendido como a realização antitípica daquilo que era anunciado
pela festa. Foi também nesse dia que a igreja cristã teve sua “primeira
colheita” logo após o discurso de Pedro: a conversão de três mil pessoas.
No
primeiro dia do sétimo mês (Tisri), realizava-se a Festa das Trombetas (Rosh
Hashanah, ou melhor Yom Teruah). Neste dia, que era uma santa convocação,
nenhum trabalho servil devia ser feito. No templo eram tocadas as trombetas
(shofar). Este dia anunciava a proximidade do Juízo, o Dia da Expiação.
Esta festa se cumpriu antitipicamente com a pregação do Movimento Adventista
entre os anos 1840 e 1844.
Durante
o ano todo, os israelitas tinham ido ao santuário oferecendo sacrifícios
pelos pecados e, como já vimos, segundo o principio da transferência, o
pecado era cerimonialmente transferido ao santuário ou ao sacerdócio.
Portanto, fazia-se necessário efetuar uma “purificação" que
eliminasse de vez o pecado. Isto se realizava no décimo dia do sétimo mês,
no chamado Dia da Expiação (Yom Kippur). Junto com Páscoa este era o dia
mais importante no calendário religioso judaico. Nenhum trabalho devia ser
feito nesse dia (era, pois, um Sábado cerimonial) e o povo devia afligir suas
almas (Lev. 23:27) e quem não o fizesse seria cortado dentre o povo (Lev
23:29). Talvez por este motivo, o Yom Kippur tem sido, tradicionalmente, visto
pelo Judaísmo como o Dia do Juízo.
No
dia da Expiação o Sumo Sacerdote devia vestir as roupas de sacerdote (vestes
santas) e tomar um novilho para, primeiramente fazer expiação por si e pela
sua casa. Também tomava do povo dois bodes sobre os quais tirava sortes: um
bode seria “para o Senhor" e o outro “para Azazel” (sobre a origem
e o significado do nome Azazel é muito pouco o que se sabe; uma hipótese
-especulativa, claro - pretende que Azazel seria o antigo nome de um demônio
do deserto).
O
Sumo Sacerdote imolava o novilho pegava um pouco do sangue e entrava no Lugar
Santíssimo levando também um incensário (isto era preciso para que ele não
ficasse diretamente exposto à glória de Deus). Ele deixava o incensário no
chão frente à arca de tal forma que a nuvem de incenso estivesse entre ele e
arca. Então com seu dedo espargia o sangue do novilho sete vezes sobre o
propiciatório. Assim tinha feito expiação por si e pela sua casa.
Logo
ele imolava o bode “para o Senhor" (que representa a Cristo) , tomava
do seu sangue, entrava novamente no Lugar Santíssimo e fazia da mesma como
tinha feito com o novilho. Desta forma fazia expiação pelo Lugar Santíssimo
(Lev 16:16,NIV). Depois, repetia a cerimônia para fazer expiação pela Tenda
da Reunião (Lugar Santo).
Uma
vez feito isto, o Sumo Sacerdote, saía do Lugar Santíssimo e se dirigia ao
altar “que esta perante o Senhor" (Lev. 16:18, provavelmente seja o
altar de incenso, comparar com Êxo 30:1-10).
Tomava sangue do novilho e do bode e o colocava nas pontas do altar. Depois
espargia sangue sete vezes sobre o altar.
Uma
vez feito isto, a expiação estava acabada (Lev. 16:20) e só então o Sumo
Sacerdote tomava o bode vivo (“para Azazel"), colocando as mãos sobre
a cabeça do bode, confessava sobre ele todos os pecados do povo e o bode era
enviado ao deserto, vivo, para lá morrer. Notemos que este bode não
participava do processo de expiação pois esta já tinha sido feita. Talvez o
salmista se referisse a esta parte da cerimônia quando escreveu, falando
acerca dos ímpios: “entrei no santuário de Deus; então percebi o fim
deles". O bode por Azazel representa Satanás e todos os ímpios que, por
não ter aceitado o sacrifício expiatório de Cristo devem carregar o peso e
a conseqüência dos seus próprios pecados, sofrendo assim a eterna separação
de Deus e Seu povo (o que significa em última instância, destruição
eterna). No caso de Satanás, ele deve levar também sua parte de culpa nos
pecados dos santos por ter sido ele o originador da rebelião e o pecado (por
esta razão os pecados do povo são confessados sobre o bode para Azazel).
Desta forma o Dia da Expiação ilustra a final destruição do pecado e dos
ímpios.
O
Dia da Expiação antitípico começou em 1844 tal como foi anunciado pelo
profeta Daniel (Daniel 8:14).
No
dia quinze do sétimo mês, começava a chamada Festa dos Tabernáculos
(Sukkot) e durava sete dias. No primeiro dia havia uma santa convocação. Os
israelitas deviam construir tabernáculos com folhas de palmeiras e ramos de
árvores para morar neles durante os sete dias da festa. No oitavo dia havia
novamente uma santa convocação.
A
festa lembrava o tempo que os israelitas habitaram em tendas no deserto
durante a viagem até a Terra Prometida logo de serem libertos da opressão do
Egito. Por esta razão a festa se torna um tipo da nossa libertação e nossa
translação à verdadeira Terra Prometida, Canaã Celestial onde finalmente
habitaremos nas moradas que Jesus foi preparar para nós.
Neste
trabalho foram descritos os principais aspectos do sistema ritual judaico
centrado no santuário, e foram interpretados os principais tipos e símbolos
encontrados nestas cerimônias. Evidentemente o trabalho não foi exaustivo
(nem pretendia sê-lo) pois deixamos de lado temas interessantes e variados
como: o vestuário dos sacerdotes, a cerimônia da novilha vermelha (Num. 19),
as libações e ofertas de manjares, o ciclo de anos sabáticos e jubileus e
até aspectos das festas descritas que julgamos secundários para este
trabalho introdutório. Pensamos ter atingido o nosso objetivo maior, a saber,
apresentar as cerimônias judaicas mais importantes e significativas, não só
para a interpretação das profecias de Daniel e Apocalipse, mas também para
a compreensão do ministério sacerdotal realizado no Santuário Celestial por
Jesus, o nosso Sumo Sacerdote.
Não
é o objetivo deste trabalho estudar em detalhes as profecias do livro de
Daniel, porém não é possível realizar um estudo satisfatório do santuário
sem se referir à obra de Cristo tal como ela é descrita nos livros de Daniel
e Apocalipse. Neste apêndice serão abordadas algumas idéias que mostram
esta conexão santuário-profecias e ao mesmo tempo mostram a Cristo como o
centro destas duas revelações bíblicas.
Comumente,
as profecias de Daniel são estudadas na ordem seqüencial dos capítulos
(isto é, se estudam os capítulos 2,7,8 e 9, nesta ordem). Mas para os nossos
objetivos, será conveniente começar analisando o capítulo 9.
O
capítulo começa com uma fervorosa oração. Daniel estava preocupado com a
restauração de Israel e principalmente com o estado no qual se encontrava o
Templo em Jerusalém (ver, por exemplo, o verso 17). Daniel tinha percebido
que os 70 anos de cativeiro previstos por Jeremias estavam chegando ao seu fim
e se perguntava se acaso as profecias de tempo dos capítulos anteriores
significavam um adiamento da restauração de Israel. Isto preocupava o
profeta, pois o exílio do povo, o estado de destruição de Jerusalém e
principalmente o fato do Templo estar em ruínas, significavam desonra para
Deus. Portanto, repetimos mais uma vez, Daniel estava preocupado com a
restauração do Santuário em Jerusalém.
Mas
o anjo Gabriel foi enviado para dar explicações a Daniel. O anjo lhe
explicou que não era o Templo de Jerusalém que devia ser o centro da suas
preocupações (de fato o Santuário Terrestre acabaria sendo definitivamente
destruído, Dan.9:26) e lhe elevou o olhar para o Santuário Celestial do qual
nos fala o livro de Hebreus (ver Heb. 8:1-2). É com o Santuário Celestial
que a verdadeira obra de restauração está relacionada. Como veremos, as
profecias de Daniel 9,8 e 7 (e grande parte das profecias de Apocalipse) são
na verdade revelações acerca do Santuário Celestial.
Como
já fora explicado, o versículo 24 faz referência à inauguração do Santuário
Celestial (``...e para ungir o Santíssimo'', diz o verso). Isto significa que
a profecia das setenta semanas indica o tempo em que entraria em funções o
Santuário Celestial. Mas o aspecto mais importante deste capítulo é mostrar
ao Messias como o verdadeiro sacrifício em nosso favor, que acabaria com
todos cerimoniais do Santuário Terrestre (versos 25 a 27).
Do
estudo feito neste trabalho, podemos ver que as festas bíblicas se agrupam em
dois pólos. Primeiro, temos as festas associadas à Páscoa: Pães Asmos,
Primícias e Pentecostes (pois a data de realização da festa de Pentecostes
depende da realização da Páscoa. Em segundo lugar temos as festas
associadas ao Dia da Expiação: Festa das Trombetas e Festa dos Tabernáculos.
Como vemos, o capítulo 9 de Daniel se relaciona com a inauguração do Santuário
e com as festas associadas à Páscoa.
Mas,
poderíamos pensar, haverá alguma profecia, no livro de Daniel, referente às
festas associadas ao Dia da Expiação ? A resposta é Sim. Estas profecias
estão nos capítulos 7 e 8 de Daniel.
A
referência mais evidente ao Santuário se encontra em Daniel 8:14: ''E ele me
disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será
purificado''. De acordo com o dito nos parágrafos anteriores, a referência
deve ser ao Santuário Celestial. É necessário, porém, que entendamos que
significa a purificação do santuário.
No
contexto de Daniel 8 a purificação do Santuário aparece como a reação
divina frente aos ataques do poder opressor representado pelo chifre pequeno
(ver Daniel 8:9-14). No capítulo 7, vemos novamente a ação de um poder
perseguidor do povo de Deus e a resposta divina, mas desta vez a reação de
Deus contra os Seus inimigos é representada por um juízo que culmina com a
destruição dos inimigos de Deus e, por contraste, a final vindicação do
povo de Deus ao receberem o Reino (ver Daniel 7:7-10 e 21-26). Devemos notar
também que o Dia da Expiação apontava justamente a ação divina que
culminaria com a destruição final do pecado e os ímpios. Fundamentados no
princípio de paralelismo das profecias de Daniel e respaldados pelo contexto
discutido nas linhas anteriores, podemos concluir que a purificação do Santuário,
o juízo mencionado em Daniel 7 e o Dia da Expiação descrevem o mesmo
acontecimento e portanto são equivalentes. Este obra de juízo tem sido
tradicionalmente chamada de Juízo Investigativo ou melhor, Juízo Pré-Advento,
pois ele acontece antes da Volta de Jesus.
Temos
visto que Daniel 9 está intimamente relacionado com as festas associadas à Páscoa
e que Daniel 7 e 8 relacionam-se às festas associadas ao Dia da Expiação.
Podemos dizer que estes três capítulos não é mais do que uma profecia
acerca do Santuário Celestial ou, equivalentemente, sobre a obra de Cristo
primeiro como o sacrifício substitutivo e logo como Sumo Sacerdote. É, em última
instância, esta profunda relação entre estes capítulos que nos permitem
afirmar que os períodos proféticos de Daniel 8 e 9 devem ter início na
mesma data, a saber, 457 A.C. com a promulgação do decreto de Artaxerxes
(ver Esdras 7:1-26).
Para
finalizar, notemos que os capítulos 4 e 5 de Apocalipse não são mais do que
uma versão mais detalhada da visão de Daniel 7:9-14. Assim, a relação
entre Apocalipse e o Santuário se torna ainda mais intensa e viva o que nos dá
maior e mais forte motivação para o estudo dos assuntos relacionados aos
serviços nos Santuário, tanto o terrestre como o celestial.
O
livro de Hebreus em geral, e os capítulos 8, 9 e 10 em particular, é de
grande importância para estabelecer o entendimento tradicional adventista
acerca do santuário. Em passagens que tradicionalmente mostravam Jesus
entrando no Santuário, edições modernas (por exemplo a Edição Contemporânea
da versão de Almeida - RA) substituíram a palavra “santuário" por
“santo dos santos", dando a entender que Jesus teria entrado no Lugar
Santíssimo no ano 31 AD. Neste apêndice analisaremos brevemente tal questão.
No
texto grego, a palavra que designa o Lugar Santo em Heb. 9:2 é “Hagia"
(Agia) que literalmente quer dizer “Santo" (a palavra “Lugar" não
aparece no original). A expressão que designa o Lugar Santíssimo no verso 3
é “Hagia Hagíon" (Agia Agiwn) que significa literalmente “Santo dos
Santos" (de novo a palavra “Lugar" não aparece).
Nos
versos em questão, por exemplo Heb. 9:12, aparece a expressão `ta hagia”
(ta agia), que dignifica “os santos". O verso, então, diz que Jesus
entrou “nos santos (lugares)", isto é, no Santuário. Aliás, a mesma
expressão (só que no caso genitivo em vez do acusativo) aparece em Heb 8:2,
sendo traduzida universalmente como “santuário". Os professores F.
Rienecker e C. Rogers na Chave Lingüística do Novo Testamento Grego
comentam que a expressão significa o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo em
conjunto, isto é, santuário.
Portanto
concluímos que a tradução certa é “santuário" (como um todo) em
concordância com a interpretação adventista e conforme traz a Almeida
Antiga – RC.
1
– A Bíblia
2
– Patriarcas e Profetas – E.G. White, CPB
3
– O Firme Fundamento de Daniel e Apocalipse
– Prof. Dr. R.C. Silveira (Instituto Adventista de Ensino).
4
– The Greek New Testament – K.
Aland et al United Biblical Societies, (3th ed. corrected).
5
– Chave Linguística
do Novo Testamento Grego
– F. Rienecker e C. Rogers, (Ed. Nova Vida).