LIÇÃO 2 – CRISE DE LIDERANÇA

Gerson Pires de Araújo
Mestre em Educação
Doutorando pela Universidade Andrews, E.U.A. 

Introdução

Não pretendemos aqui fazer uma exposição conceptual sobre o que quer dizer liderança. Apenas algumas considerações para podermos entender em que consiste este termo. Lead em inglês – guiar, dirigir, chefiar, conduzir, são termos que poderiam, em parte, expressar o significado de liderar. Aquele que indica e conduz por um caminho. Quando existe um líder, em contraposição, deve haver liderados, aqueles que o seguem, que são dirigidos por aquele.

Entre as funções de líder poderíamos mencionar: (1) despertar, inspirar seus liderados para uma ação; (2) estimulá-los ou incentivá-los à ação; (3) indicar o caminho a ser seguido para as devidas consecuções, (4) ensinar, comunicando conhecimentos que ele possui e que ainda são desconhecidos por aqueles que ele dirige; (5) demonstrar através da execução de atividades e de exercícios como se faz algo que deve ser feito; (6) corrigir erros, endireitar os desvios, aplainar o caminho a ser seguido; (7) exercer autoridade, aplicando sanções ou corretivos aos que se negam a seguir o caminho do direito ou tirando dos outros que constituem o grupo os seus direitos; (8) preparar outros líderes a fim de que sirvam de co-líderes quando o número de seguidores aumenta ou para que o substituam quando eventualmente não puder mais continuar na ação da liderança, entre outras.

Isto posto, podemos agora compreender o tema da Lição desta semana: Crise de liderança.

I. Crise de liderança

Quando qualquer uma dessas funções deixa de ser realizada por um líder, então a palavra ‘crise’ expressa um sentido apropriado no que se refere à conduta preconizada ou estabelecida por um Deus que é Perfeito e Santo. Neste sentido, a palavra ‘crise’ em nossa Lição assume um significado apropriado. Isto porque a natureza humana tem em sua essência de vida em comunidade a necessidade de ser dirigida, guiada, conduzida.

Quando Cristo via os homens como um rebanho que necessitava de bons pastores, certamente é a isto que a Escritura Sagrada se refere.

II. O rei está morto. viva o rei!

A lição desta semana se refere a um acontecimento em que é precisa a data do acontecimento. "No ano da morte do rei Uzias" (provavelmente entre 740 – 738 a.C.), o profeta Isaías recebe uma visão que vai ser determinante em seu ministério e para nossa compreensão da lição desta semana. A morte de Uzias não deveria representar um fato marcante na questão de liderança, pois, de acordo com Edwin R. Thiele, seu filho Jotão já havia assumido o trono numa co-regência do governo.

O que se nos afigura aqui é uma expressão de crise na liderança pelo fato de Uzias, cujo governo havia se caracterizado por relativo progresso material e expansão territorial, havia fracassado como líder espiritual do povo quando, após um período em que fizera o que era reto diante do Senhor, "exaltou-se o seu coração para a sua própria ruína, e cometeu transgressões contra o Senhor, seu Deus, porque entrou no templo do Senhor para queimar incenso no altar do incenso". Quando um líder se exalta e, por orgulho, assume posições e funções que não lhe foram dadas por Deus, levando o povo a considerar comuns ou profanos os ritos sagrados, realmente se entra numa crise e Deus toma as providências em suscitar um líder espiritual que indique ao povo sua real situação de pecado e o exorte a uma vida de santidade.

Geralmente o aforismo que diz: "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente" parece ser válido constantemente em relação a seres humanos. Só Deus possui autoridade de direito, por ser o Autor de tudo o que existe. Entretanto, quando as pessoas que exercem poder o fazem com humildade, reconhecendo que a autoridade humana é delegada, e não imanente, o poder exercido será dirigido para o bem, de maneira construtiva para a sociedade. A frase "Toda instituição é a sombra do seu líder" indica a grande influência exercida por alguém que conduz o povo no caminho da retidão ou no caminho da decadência.

Na falta de um líder que conduzisse o povo para a santificação, Deus suscitou outro líder que proclamasse e promovesse a santidade. Para que isso fosse efetuado, porém, era necessário que: (1) a pessoa escolhida tivesse uma visão do que significa santidade divina; (2) tivesse consciência de sua pecaminosidade e buscasse o perdão; (3) recebesse o perdão e, conseqüentemente, a purificação; (4) fosse vocacionada para realizar o trabalho de ser porta-voz divino, e (5) recebesse uma missão e a aceitasse, anunciando as mensagens de Deus chamando o povo ao arrependimento e trazendo-lhe a certeza da salvação.

III. Santo, Santo, Santo

Foi o que aconteceu com o profeta Isaías. Numa visão, foi-lhe mostrada a glória inefável do Deus do Universo, envolvida por um cenário retumbante. O próprio ambiente parecia tremer como um terremoto, deixando o profeta aterrorizado, temendo ser morto. Ele ficou impressionado com o fato de Céus e terra estarem cheios da glória de Deus e todo o Universo em regozijo cantando em louvor e adoração.

O realce é colocado sobre a suprema Santidade de Deus. "Santo, Santo, Santo", cantam os seres celestiais. Santidade é uma palavra que expressa todo o conjunto de características morais de Deus, Sua perfeição em todos os sentidos. O importante para nós, seres humanos, é que, além de habitar num "alto e santo lugar", esse Deus, Todo-poderoso e Onipresente também habita no coração do "contrito e abatido de espírito". O Deus transcendente também Se torna de alguma maneira o Deus imanente.

Como Deus procurava um líder para Seu povo, havia necessidade de trazer santidade a esse que fosse escolhido. Aliás, liderança, para Deus, implica em santidade e quem é um líder nas mãos de Deus tem uma auto-imagem de consciente indignidade e humildade. Isto foi alcançado quando Isaías viu a Deus em Sua santidade. Foi-lhe então concedida santidade mediante o perdão de Seus pecados, pois essa não é conquistada por merecimento mas recebida como um dom por arrependimento, humildade e reconhecimento de indignidade mas de necessidade. Deus é Santo e só pode admitir santidade de Seu povo. Isto se consegue através de um processo de contemplação da santidade divina.

Quando Deus estava para enviar Isaías com uma mensagem a Seu povo, primeiro Ele permitiu que o profeta tivesse uma visão do Santo dos santos no santuário. Por nenhum instante os anjos olham a si mesmos com admiração. Seu louvor é constante ao Senhor dos Exércitos com admiração. Os anjos podem ver então o futuro que sobrevirá ao mundo e o som de triunfo ecoa pelos céus. Existem para satisfazer-se em glorificar a Deus e habitar em Sua presença. Quando Isaías contemplou esta cena, pôde ter uma oportunidade de colocar-se no contexto da amplitude do Universo.

Então, a criatura não pode fazer outra coisa senão adorar e louvar esse Deus infinito que Se compraz em Se relacionar com Suas criaturas, cumprindo o desígnio para o qual foram criadas: comunhão com o Criador.

A atitude de contrição do profeta ao se reconhecer um "homem de lábios impuros", e o fato de um serafim lhe tocar os lábios com uma brasa viva do altar trouxe-lhe a purificação dos pecados e passa a ser uma nova pessoa.

IV. Nova personalidade

O pecado provocou em Adão uma mudança em sua essência em relação ao que era antes da queda. Ao perder a vontade própria e se tornar escravo do pecado, ter sua mente, suas afeições e seu físico afetados, sua personalidade foi modificada e realmente o homem deixou de ser homem, no sentido apropriado do termo. Sua natureza foi modificada e não mais podia manter comunhão com Deus. Isso fez com que Adão fugisse e se escondesse de Deus no Jardim do Éden. O pecador não pode suportar a Santidade divina.

Contudo, ao ter seus pecados perdoados, mediante a intercessão e graça de Cristo, novamente o homem pode gozar comunhão com Deus e ter ousadia de se apresentar diante de Deus a fim de se colocar a serviço do Criador.

A palavra ‘perdoado’, no hebraico origina-se do verbo que significa "expiar". Depois de estar convicto do perdão de seus pecados, Isaías reconhece o imperativo do amor e se coloca à disposição de Deus para realizar individualmente uma tarefa que havia sido feita de modo geral. Diz o Dr. Schwantes, em seu comentário sobre o livro de Isaías: "A grandeza do ministério profético, bem como do ministério pastoral, consiste no fato de ser uma resposta espontânea de um coração que vibra em harmonia com o coração divino. Há uma grande tarefa a ser realizada, e o homem assume voluntariamente sua parte no programa divino."

É interessante que, se aceitarmos a idéia de que o profeta já havia pregado mensagens anteriormente, (admitindo-se que os capítulos estão em ordem cronológica), Isaías só percebeu sua pecaminosidade e indignidade depois da visão do trono divino, embora já tivesse condenado antes os pecados do povo de Israel. Ele não havia percebido sua real situação a não ser quando contemplou a glória e a santidade de Deus.

Quando o homem aceita o perdão divino e se converte, passa a ter outra personalidade. Nova natureza lhe é insuflada, em virtude de se tornar templo do Espírito Santo. Isaías não era mais o Isaías que fora anteriormente. Uma nova pessoa, em harmonia com o pensamento, a vontade e os sentimentos divinos podia agora se colocar à disposição de Deus. Ao dizer: "Eis-me aqui, envia-me a mim" seria como dizer: eu quero, ajuda minha insuficiência. Agora podia testemunhar realmente uma experiência própria e ter convicção em suas palavras ao pregar.

V. Encargo real

Isaías agora é enviado com uma comissão, a de porta-voz de Deus, e entregar uma mensagem de reprovação ao povo de Deus, que se desviara dos caminhos divinos. Isaías estava consciente dos problemas que teria de enfrentar: perversidade e dureza de coração, que fazia com que a mensagem não produzisse nenhuma impressão no seio do povo empedernido.

Após contemplar a santidade de Deus, Isaías sabia que o problema do povo de Israel se encontrava no âmbito espiritual. A diferença estava no santuário e não no político, no social ou no progresso material. O poder de vencer o pecado e purificar a vida se encontra no santuário onde Cristo está intercedendo por cada pecador que se arrepende e deseja se harmonizar com a ordem do Universo. O santuário é o lugar onde podemos entrar com ousadia em virtude do poder que emana das mãos de nosso Intercessor, onde se encontra o trono da Graça. É ali que podemos encontrar "socorro em ocasião oportuna".

É para o santuário celestial que nosso olhar deve se concentrar hoje. Cristo está pleiteando por Sua Igreja. O preço da redenção já foi pago por Seu sangue e o tempo decorrido desde a realização do supremo sacrifício não pode diminuir a eficácia de Seu sacrifício vicário. Nada pode separar um coração contrito deste amor manifestado na Cruz do Calvário. Não porque nós nos apegamos a Ele mas porque Ele nos segura com Seus braços poderosos de amor. Nossa salvação depende dEle e não de nós. Que privilégio inefável este, de podermos com ousadia penetrar além do véu, diante de Deus e receber Sua graça e salvação!

Podemos então ser enviados com a tarefa e a responsabilidade de proclamar e condenar o pecado, convidar outros seres humanos ao arrependimento e ao perdão, servindo como instrumentos nas mãos de Deus. A ordem de comando é: "Ide por todo o mundo e pregai a toda a criatura."

VI. Chamado assombroso

O dever do profeta era bem claro: levantar sua voz em protesto contra o mal prevalecente. Pregar contra o pecado sem ter a certeza de que de alguma maneira teria sucesso deixou o profeta atônito. Ouvir e não entender e ver e não perceber não é uma boa perspectiva para alguém que agora tinha consciência da grandiosidade da tarefa. Que garantia pode haver de sucesso quando se conhece por experiência a malignidade do coração do homem? Como transmitir ao povo a visão que recebera em termos tais que pudesse produzir efeito semelhante ao que ele mesmo passara ao ter a visão?

O mal havia se multiplicado por muitas gerações e não iria ser removido em seus dias. Que ânimo tem um professor quando ensina dia após dia e parece não obter nenhum resultado positivo enquanto ensina a verdade na sala de aula? Os resultados não são palpáveis, não são vistos? Durante a vida toda o profeta deveria pacientemente pregar e ensinar com coragem – condenando e esperando por resultados positivos. Embora os resultados não sejam responsabilidade do pregador, o comprometimento e dedicação à tarefa são responsabilidades suas.

O profeta é levado a perguntar a Deus: "Até quando, Senhor?" A resposta parece ser mais desanimadora ainda: "Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casas fiquem sem moradores, e a terra seja de todo desolada..." Aparentemente o trabalho seria inútil. Por cerca de 60 anos, o profeta exerceu seu ministério e, de acordo com a tradição, ainda terminou seus dias serrado pelo meio dentro de um tronco, pelas ordens de Manassés. Ficamos muitas vezes pensando na surpresa de Isaías se encontrar Manassés no reino de Deus em virtude de, no final de sua vida, ter-se arrependido, buscado ao Senhor e restabelecido a adoração ao verdadeiro Deus (II Crôn. 33:11-17).

Entretanto, o profeta recebe um vislumbre de que, pelo menos, um remanescente, um resto do povo atenderia aos apelos do profeta. Sua obra não seria de todo inútil. Várias vezes encontramos através do livro a promessa de um restante que permaneceria fiel a Jeová. Um toco lhe foi apresentado como sendo a santa semente que renasceria e produziria frutos.

Embora o quadro de que Israel sofreria guerra, exílio, opressão das nações estrangeiras, perda de poder e prestígio, se passasse diante dos olhos nas visões do profeta dadas por Deus, sua mensagem não deveria ser somente de reprovação mas de ânimo, esperança e consolo. O profeta recebe a promessa de que suas mensagens seriam acompanhadas do poder convincente do Espírito Santo e então durante todos os seus dias o profeta se apresentou diante de Judá como um profeta de esperança apresentando um quadro de vitória final do povo de Jeová.

 

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