LIÇÃO 3 – ALGO MELHOR

Dr. José Carlos Ramos
D.min., é professor de Daniel e Apocalipse

O texto de estudo da lição, João 2:1-22, pertence a uma seção que começa com o capítulo 2 e se estende até o fim do capítulo 4. A seção pode ser intitulada transição do temporário para o definitivo porque é basicamente disso que ela trata. Ela inicia com Jesus realizando Seu primeiro milagre (2:1-11), considerado um sinal de Sua glória. Esse milagre marca o início oficial, segundo o quarto Evangelho, do ministério de Jesus, o qual introduz a nova dispensação. Não é, então, por mero acaso que o milagre se torna uma vívida indicação de que os dias messiânicos são chegados e com eles a transição do figurativo para a realidade, do imperfeito para o perfeito, do temporário para o definitivo se faz presente com suas bênçãos de abundância e plena satisfação. O que o Evangelho nos oferece em seguida, dentro desta seção, confirma este fato e o desdobra: o novo templo toma o lugar do antigo, o novo nascimento sobrepõe-se ao nascimento físico e às formulas obsoletas de rituais religiosos, e a verdadeira adoração substitui a anterior em sua forma e local. Finalmente o 2º sinal (4:46-54) confirmará que o Messias está presente outorgando a todos que quiserem o dom da vida, o benefício último do reino messiânico.

Naturalmente, tudo isso cristaliza o "Algo Melhor" que serve de título à lição, pois quem não entende que algo real, perfeito e definitivo é bem melhor que algo figurativo, imperfeito e temporário?

A lição, todavia, abrange apenas o milagre nas bodas de Caná (segunda e terça) e a purificação do templo (quarta e quinta), abordando inicialmente (domingo) ambos os fatos (com ênfase no primeiro), os quais são considerados, em que pese sua precisão histórica, uma espécie de parábola ilustrativa do tema da transição.

 

Domingo – Parábolas vivas

Embora o termo "parábola" tenha sido empregado pelo evangelista (ver 10:6), é surpreendente que ele não tenha registrado nenhuma daquelas que aparecem nos outros Evangelhos. Isso não significa que o quarto evangelista desconsiderou o valor de parábolas como recurso de ensino. Na realidade, ele narrou fatos históricos do ministério de Jesus dando-lhes um significado transcedente, em outras palavras, transformando tais fatos em "parábolas vivas". Como a lição afirma, "sob a direção do Espírito Santo, João tomou eventos reais do ministério de Jesus e os retratou como parábolas vivas. Sob a superfície de cada relato histórico, Deus colocou um significado mais profundo que nos ensina algo especial sobre Jesus."

Esta é a razão porque os milagres de Jesus, no quarto Evangelho, são identificados como sinais. Estes aparecem em número de sete (excetuando-se a pesca maravilhosa relatada no apêndice do livro, o capítulo 21):

(1) A água transformada em vinho (2:1-12)

(2) A cura do filho do oficial do rei (4:46-54)

(3) A cura do paralítico junto ao tanque de Betesda (5:1-18)

(4) A multiplicação dos pães (6:1-15)

(5) Jesus anda sobre o mar (6:16-21)

(6) A cura do cego de nascença (9:1-12)

(7) A ressurreição de Lázaro (11:1-46)

Como já referido, os milagres são identificados como sinais da Sua glória, a qual se manifesta de forma especial no Calvário e na ressurreição. Logo, devemos tentar detectar neles algum significado que se vincula ao sentido maior da morte de Jesus e de Sua ressurreição. Os sete sinais são, na verdade, sete vislumbres desta hora de glória, relacionados no Evangelho numa forma ascendente, pois há um crescendo de manifestação da glória, conforme Jesus cumpre o Seu ministério e avança passo a passo rumo à cruz. Sua popularidade cresce em proporção idêntica, até que na cruz todos são atraídos a ele (12:32). Simultaneamente ocorre um crescendo de fé e aceitação da parte dos discípulos, que incorporam a Igreja, e um crescendo de incredulidade e rejeição da parte dos judeus, que incorporam o mundo. Dos sete milagres, o último é aquele que evidencia mais amplamente estas situações; mas a cruz será a culminação de tudo. Por isso dizemos que o maior sinal relatado no Evangelho é o evento da cruz. Ele incorpora os sete.

Embora Jesus execute milagres na presença dos judeus, milagres que às vezes os leva a um arroubo de entusiasmo que na melhor das hipóteses se traduz na forma de uma fé imperfeita (2:23 e 24), e outras vezes nem mesmo os demova da incredulidade, a ponto de solicitarem um sinal (!!!) para que creiam que Ele é o Messias (6:30), é interessante que, executando os milagres, Jesus sempre chama a atenção deles para o verdadeiro sinal, que é Ele mesmo, principalmente ligado àquilo que ainda acontecerá e encerrará Sua carreira no mundo (2:18-22; 2:23; 3:2, 12-14; 6:2, 14, 30-40, 48-58, 61 e 62; 7:31-39; 8:28; 12:32 e 34). Na verdade, o testemunhar milagres leva os judeus apenas a um entusiasmo de caráter passageiro (6:14, 15, 60 e 66), porque não conseguem perceber o significado maior que se esconde por trás do milagre; e esta falta de percepção os leva a continuar na incredulidade (12:37). Aqueles, porém, cuja percepção avança para além do milagre em si, contemplam Sua glória e crêem nEle (2:11; 6:67-69).

Assim, Jesus cumpre Seu ministério em favor dos judeus (1:19–12:50), numa espécie de antecipação e revelação do que virá no fim. Como foi dito, esse ministério é desenvolvido à sombra da cruz, para onde Jesus avança passo a passo. Aqueles que o acompanham formam a comunidade dos discípulos a quem Ele Se dirige na segunda parte do livro (13:1–20:29), e por quem, não exclusivamente, mas particularmente, oferece finalmente a vida.

Em geral, os sinais são interpretados por discursos que Jesus profere sobre a natureza de Sua pessoa (incluindo Seu relacionamento com o Pai) e de Sua obra. Alguns, porém, não são seguidos por discursos interpretativos, como acontece com o primeiro sinal, e isso exige uma reflexão menos superficial para que se descubra seu significado mais profundo. Nesse caso, tal significado poderá ser aludido no material que segue o milagre, como afirmado no primeiro parágrafo da introdução deste comentário.

A lição pergunta pela importância da história do primeiro milagre. Indiscutivelmente, sua importância jaz no fato de que João não está meramente relatando um milagre, mas um sinal que reúne um significado que se situa além do próprio milagre. Infere-se que ele não está interessado em relatar um mero incidente histórico prodigioso porque algumas valiosas informações que caracterizariam um bom relato simplesmente foram ignoradas: o exato relacionamento de Maria com a família do noivo, a razão porque o suprimento de vinho foi insuficiente, a reação do noivo ante uma provisão adicional, abundante e inesperada, de vinho, o destino dado ao vinho não consumido, e assim por diante.

Portanto, o milagre não é um fim em si mesmo, mas um meio para se atingir um fim, um propósito e é chamado sinal, porque uma verdade transcendente, e ainda mais significativa que o próprio milagre, se esconde por detrás dele. Esta verdade deve ser buscada, como acima observado, na perspectiva da cruz e da ressurreição.

A lição pergunta ainda como descrever a relação entre Jesus e Sua mãe. Um dos versos do texto indicado para leitura na pergunta (2:4) relata a forma aparentemente indelicada como Jesus respondeu à observação feita por Sua mãe sobre a falta de vinho: "Mulher, que tenho eu contigo?" Na realidade, a indelicadeza não ocorreu. O termo "mulher", usado como forma de tratamento a pessoas do sexo feminino, traduzia, naquela época, uma expressão de respeito ou afeto. Na tragédia grega, por exemplo, é empregado em referência a rainhas e mulheres distintas. Augusto se dirige a Cleópatra, e Ulisses a Penélope, chamando-as de gýnai ("mulher!"). O termo, portanto, não exibe qualquer traço de indelicadeza. O tratamento é de respeito, cortesia e ternura.

Mas indica, por outro lado, uma distância entre Jesus e Sua mãe. A fórmula "que tenho eu contigo" expressa total desacordo. É evidente que Maria viu na falta de vinho uma oportunidade ímpar para Jesus Se manifestar como o esperado Messias. Mas este momento ainda não havia chegado. Quando chegasse, cada coisa alcançaria a sua plenitude: o ódio do mundo (as obras de Jesus durante o Seu ministério, em geral, e a ressurreição de Lázaro em particular, levaram-No à cruz), a fé dos discípulos ("meu Senhor e Deus meu!" em 20:28 é o clímax da fé), e a glória. A cruz é a aguardada hora da pública manifestação: "E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim mesmo" (12:32).

O que Maria desejava no primeiro sinal estava reservado, portanto, para o fim, razão porque Jesus lhe disse: "Que tenho Eu contigo?" Sua aspiração não coincidia com a dEle. O desenvolvimento de um processo inteiro desde Caná até o Calvário aguardava-O, e isso ela desconhecia. Daí a exuberância de fé revelada em sua orientação aos serventes: "Fazei tudo o que Ele [Jesus] vos disser." (2:5). Estas palavras refletem tácita aceitação das provisões de Deus para seu Filho e para si mesma. Ela demonstrou em Caná o verdadeiro espírito de submissão a Deus que demonstrara quando da visita de Gabriel: "Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra" (Luc. 1:38).

É digno de nota que, em João, a mãe de Jesus nunca é mencionada pelo nome (mesmo quando o pai adotivo de Jesus o é [6:42]), e Jesus a chama "mulher" e não mãe, em duas ocasiões: aqui e na cruz (19:26). Ao escolher gýnai para se dirigir à Sua mãe, Jesus indica não apenas que o exercício de qualquer autoridade maternal da parte dela é assunto do passado. Esta atitude do Salvador se liga principalmente a um profundo tema teológico em João, onde também se pode sentir que "mulher" é um símbolo do povo de Deus.

Segunda – Água em vinho

O evento narrado em 2:1-11 é uma festa e o milagre é a transformação de água em vinho, ocorrido em Caná da Galiléia, para onde Jesus seguiu após o testemunho de João Batista, que resultou na formação do corpo inicial de discípulos.

O milagre é chamado de "sinal" (v. 11) e, portanto, tem a ver com o Senhor glorificado. Assim, é apropriado, por exemplo, considerar a referência ao "3º dia" (ou "três dias depois") do verso 1 como alusivo à ressurreição. De fato, a glorificação de Jesus ocorre com Sua morte e ressurreição, mas Sua glória é antecipadamente manifestada no sinal e é visualizada pela fé.

Os elementos que compõem o processo que culmina no próprio milagre devem ser também considerados. Tais elementos indicariam realidades adjuntas que enfatizam a verdade central do sinal. Assim, com respeito a 2:4, o que pareceria ser um problema sem uma solução satisfatória se torna um passo imprescindível para com o clímax esperado; e realmente nenhuma solução satisfatória existe, quanto a este detalhe, se considerarmos o episódio apenas em termos de um simples milagre, pois aparentemente Jesus Se nega a atender o pedido de Maria, e depois o atende.

"Houve um casamento em Caná" (v. 1). A era messiânica é simbolizada por uma festa de bodas e por um banquete, tanto no pensamento judaico como cristão (Osé. 2:7 e 8; Isa. 62:2-5; 54:4-8; Mat. 8:11; 22:1-14; Luc. 22:16-18). A consumação escatológica final exibe o quadro das "bodas do Cordeiro" (Apoc. 19:7), e abundância de vinho é uma figura do Velho Testamento consistente com a alegria dos dias finais (Amós 9:13 e 14; Osé. 14:7; Jer. 31:12; Joel 2:23 e 24; 3:18). Este sinal destaca o irromper da salvação messiânica na História.

Tanto a falta de vinho (v. 3) como as seis talhas vazias (v. 6) representam adequadamente a insuficiência e o fracasso do velho sistema judaico de salvação. João oferece uma clara indicação deste fato quando ele afirma que as talhas de pedra eram usadas nos ritos judaicos de purificação. O velho sistema é agora substituído pelo novo vinho do evangelho o qual é oferecido numa proporção suficiente para satisfazer cada necessidade humana. A larga quantidade de vinho (v. 6), equivalente a 120 galões (suficiente para pelo menos mil pessoas), aponta para as provisões abundantes do evangelho. Assim, o sistema anterior de salvação e o atual são corretamente contrastados.

Como foi dito, este fato é imediatamente reafirmado no episódio da purificação do templo (vv. 13-22) através da qual Jesus Se apresenta como o novo templo tomando o lugar do antigo. Assim é introduzido o tema da transição: as realidades definitivas tomam o lugar das anteriores que eram temporárias. O tema continua sendo desenvolvido nos diálogos com Nicodemos e com a mulher samaritana (caps. 3 e 4). Tal como o milagre em Caná, a purificação do templo, e implicitamente os dois diálogos seguintes, devem também ser entendidos na perspectiva de Sua morte e ressurreição.

Os Evangelhos Sinóticos também empregam a imagem de uma festa de casamento para mencionar a introdução do Reino e suas conseqüências imediatas sobre a velha dispensação: o velho vinho é substituído pelo novo e o noivo partilha Sua alegria com os amigos (Mar. 2:19ss; Mat. 9:15ss; Luc. 5:34ss).

Os versos 9 e 10 indicam que o mestre-sala, o responsável pela festa, não sabia a verdadeira fonte do "bom vinho". Este é outro significativo elemento do sinal. Pode-se ver neste elemento um dos conceitos messiânicos populares do tempo de Jesus: "Quando, porém, vier o Cristo, ninguém saberá donde Ele é" (7:27). Pode também aludir à incredulidade geral com que os judeus receberam o evangelho. Eles recusaram reconhecer sua verdadeira origem e afirmaram ser Jesus a própria razão deste procedimento: "Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se Tu és o Cristo, dize-o francamente" (10:24). Eles mesmos, naturalmente, eram a razão do fracasso em crer. "Se alguém quiser fazer a vontade dEle, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se Eu falo por Mim mesmo" (7:17).

Outro ponto: no prólogo, João apresenta o Verbo como Agente da criação (1:3). Esta verdade é imediatamente ilustrada no capítulo 2: vinho aparece da água tal como a terra no princípio (Gên. 1). Aqui estaríamos diante de um milagre da criação, ou melhor dizendo, da nova criação. Um ato salvífico se posiciona por trás do milagre físico. Água se transforma em vinho. Assim Jesus explica a Nicodemos que apenas o nascimento físico não é suficiente. Nem mesmo apenas nascer da água. O novo nascimento é aquele do Espírito (3:3, 5 e 6). Nos círculos rabínicos, a água era simbólica do sêmen humano. Neste caso, ser nascido da água indicaria o nascimento físico. Re-criação, por sua vez, é um nascimento espiritual. "Mas, a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no Seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (1:12 e 13). "Crer em Seu nome" é precisamente o resultado final do sinal em Caná (2:11).

Mesmo que consideremos o "nascer da água" em 3:5 como "ser batizado", é ainda evidente que somente o nascimento do Espírito poderia ser representado pelo processo transformador da água tornar-se vinho. Afinal, qualquer pessoa pode controlar sua experiência de ser batizada, isto é, o batismo pode ser uma experiência meramente humana, sem um significado maior, como qualquer um poderia encher com água algumas talhas de pedra. Mas somente o Agente da criação poderia tornar a água em vinho; somente Ele pode operar o nascimento do Espírito.

Apenas através do novo nascimento é possível desfrutar o benefício dos dias messiânicos simbolizados pelo novo vinho no sinal em Caná. "Se alguém não nascer de novo, não pode ver [e "entrar", verso 5 no] reino de Deus" (3:3). Somente os discípulos receberam o benefício último do milagre. O responsável da festa não soube de onde o vinho era procedente. Assim também, Jesus afirmou a Nicodemos que ele não sabia donde procedia nem para onde se dirigia o vento, símbolo do Espírito (3:8) Mas os discípulos viram a glória de Jesus e creram nEle (v. 11), o que lembra a experiência do discípulo amado junto à cruz, onde a glória de Jesus foi manifestada: ele viu sangue ("vinho") e água fluir do peito de Jesus, e deu o seu testemunho para que "creiais" (19:34 e 35).

Como diz a lição: "O primeiro milagre que Jesus opera, então, é transformar a água em vinho, e o vinho é um símbolo do Seu sangue derramado, o sangue que seria vertido pelos pecados do mundo, o único meio de salvação."

Terça – Uma prévia da cruz

Assim, o sinal em Caná é exatamente o título da lição de hoje: uma prévia da cruz. A palavra chave no relato do sinal é "hora": "Ainda não é chegada a Minha hora" (2:4). O que devemos entender por este termo?

No Evangelho de João, a palavra hora, precedida, no original grego, do artigo ou do possessivo, é usada em uma série de passagens para indicar o ponto culminante do ministério terrestre de Jesus, precisamente Sua crucifixão, ressurreição e ascensão ao Pai (que nesse Evangelho são vistos como um único evento [6:61 e 62]). Jesus Se refere a "hora" como o momento de Sua glorificação (17:1). Esta série pode ser dividida em 2 grupos: (1) passagens que referem à hora como não tendo ainda chegado (7:30 e 8:20, além de 2:4b); e (2) passagens que fazem referência à presença da hora (12:23 e 27; 13:1; 17:1).

Outro grupo de passagens registra este termo sem artigo no original. Uma pequena distinção em relação ao primeiro grupo deveria ser observada. Elas indicam uma antecipação dos efeitos da hora de Jesus àqueles que crêem nEle. Estes efeitos são:

O último desses efeitos é de caráter negativo devido a limitação de fé nos discípulos. Todavia, se considerarmos a lição que pode ser aprendida desta experiência, ela será uma bênção. Como alguém disse, a Igreja definitivamente depende do que Deus tem feito em Cristo, não da coragem e inteligência de seus membros.

Em suma, para João, o todo do ministério de Jesus é controlado pela hora que o Pai estabeleceu dentro de Seu propósito salvífico. Ela é o fio unificador de todo o Evangelho.

Quarta e Quinta – A purificação do templo / O significado da Cruz

A ocasião da purificação do templo é a proximidade da festa da Páscoa. Comentando a lição 1 quanto à duração do ministério de Jesus (material sobre o tópico de segunda-feira), observamos que, para João, Cristo cumpre o significado de todas as festas judaicas, e que este evangelista mencionou a Páscoa mais que os outros, movido por um motivo teológico: o grande livramento do passado foi apenas uma figura do livramento definitivo outorgado pelo sacrifício de Jesus (cf. 19:36). Em outras palavras, continuamos aqui com o tema da transição.

Não devemos confundir a purificação do templo relatada nos Evangelhos Sinóticos com esta. Jesus purificou o templo duas vezes, no início e no fim de Seu ministério. Por que relatou João a primeira purificação e apenas ela? Porque se encaixava no propósito do escritor. O ministério de Jesus estava apenas começando, mas significava o fim do velho sistema. Em João é a ressurreição de Lázaro que precipita a morte de Jesus, enquanto que nos Sinóticos é a purificação do templo. João, entretanto, se aproxima deles no ponto de que para ele a purificação do templo envolve o tema da ressurreição (2:18-22). Em outros termos, a ressurreição de um morto é uma espécie de purificação do templo.

O comércio ilícito era praticado no pátio dos gentios. Mas Jesus considerou este local tão santo quanto os outros, e, portanto, impróprio para o comércio. À luz do evangelho, o que santifica um local é a invocação do Senhor. Não existem, de si mesmos, lugares mais santos que outros (ver o diálogo com a Samaritana). Isto era mais próprio para a religião dos tipos e figuras da antiga dispensação.

A pergunta que os judeus fizeram a Jesus (v. 18) foi uma reação ao que Ele acabara de fazer. Eles não disputaram o ato em si, já que era esperado que o Messias tivesse autoridade sobre o templo. Exigiram um sinal de que Ele era a pessoa indicada para fazer aquilo como se Lhe dissessem: "Só o Messias pode fazer o que fizeste. Que sinal apresentas de que és o Messias?"

No ato em que os discípulos viram o cumprimento de um salmo messiânico (v. 17), os judeus viram apenas uma não autorizada interferência, ou uma apropriação indébita de autoridade. Jesus é, Ele mesmo, o grande sinal que insistirão em não ver. É a Ele que os verdadeiros crentes vêem e não a um mero e externo sinal.

A resposta de Jesus (v. 19), na forma imperativa, reúne uma idéia de condicionalidade, como se Ele afirmasse: "se vocês destruírem este santuário Eu o levantarei em três dias." O evangelista explica que Jesus se referia ao santuário de Seu corpo (v. 21). Também nos Sinóticos, a ressurreição é o sinal oferecido por Jesus aos que Lhe pedem um (Mat. 12:39 e 40; 16:4; Luc. 11:29).

Há aqui duas pontas de ironia: (1) os judeus mesmos seriam o meio de produzir o sinal e quando esse ocorresse não o creriam; e, (2) matando a Jesus estariam realmente pondo um fim ao próprio santuário deles. A realidade que claramente deriva do episódio é que Jesus é o novo templo que substitui o antigo, tal como o novo vinho substitui o velho no primeiro milagre. É nEle que o shekinah deverá agora será manifestado (1:14).


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