LIÇÃO 9 – APROXIMA-SE A CRUZ

Dr. José Carlos Ramos
D.min., é professor de Daniel e Apocalipse

O quarto Evangelho pode ser dividido em três partes principais, além do prólogo (1:1-18), do epílogo (20:30 e 31) e do apêndice (cap. 21): (1) o ministério de Cristo ao mundo, na pessoa dos judeus (1:19–12:50); (2) o ministério de Cristo à Igreja, na pessoa dos apóstolos (13:1–17:26); e (3) a narrativa da paixão, que inclui Sua ressurreição ao terceiro dia e aparição aos discípulos (18:1–20:29).

A lição desta semana avança para o final do ministério de Cristo no mundo. Esse ministério é demarcado com sete milagres relatados pelo evangelista, na realidade sete sinais, que aparecem na narrativa numa forma crescente de notoriedade, gerando igualmente, por um lado, um crescendo de fé e, por outro, de incredulidade, hostilidade, e rejeição. A ressurreição de Lázado é o último desses sinais e, naturalmente, estará concorrendo para que a atitude da aceitação ou rejeição de Cristo atinja a sua culminância, a qual se efetivará com o evento da cruz.

Assim, é condizente com o plano e propósito do escritor que, neste evangelho, a ressurreição de Lázaro introduza os últimos acontecimentos que marcaram a trajetória de Jesus no mundo. Relatada a realização deste último milagre, resta a João narrar a unção de Jesus por Maria em Betânia (uma prévia de Sua morte), e Sua entrada triunfal em Jerusalém, onde alguns gregos querem vê-Lo. O interesse demonstrado por estrangeiros mostra que o ministério de Jesus está se aproximando do fim. "Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim mesmo" (12:31 e 32). Era hora de instruir a Igreja e prepará-la para a missão mundial que a aguardava. Esse é o assunto dos capítulos 13–17.

Domingo – A ressurreição de Lázaro

A lição pergunta por que Jesus esperou tanto para atender ao pedido de Marta e Maria. A razão é óbvia. Era chegado o momento em que Ele deveria Se manifestar ao mundo como o Enviado de Deus. Tardando em ir a Betânia, os seguintes objetivos foram atingidos: (1) Por um lado, a fé dos discípulos, incluindo as irmãs do morto, foi provada e confirmada. (2) Por outro lado, a oposição e resistência de inimigos deveria amadurecer e chegar a um ponto crítico, e a operação desse milagre abriu oportunidade para isso; os (pontos (1) e (2) nos lembram mais uma vez que as crises, muitas delas ensejadas por Deus, visam a testar e revelar o caráter). (3) Pessoas que até ali haviam mantido neutralidade para com Jesus deveriam ser conduzidas a uma tomada de posição; o relato afirma que muitos, testemunhando o que aconteceu, creram nEle (11:45; 12:11). (4) Finalmente, dadas as circunstâncias em que o milagre foi operado, ficou inegavelmente comprovada a autenticidade das reinvindicações de Jesus quanto à Sua messianidade e natureza divina. A referência ao fato de Lázaro estar morto há quatro dias (11:39), evoca uma tradição entre os judeus de que o espírito pairava sobre o corpo sem vida por três dias após a morte, abandonando-o em seguida. O evangelista quer deixar claro que Lázaro, de fato, estava morto.

Quanto à pergunta 1b, observamos que João 11:1-44 narra como ocorreu o milagre mais assombroso de Jesus, não equiparado com nenhum dos anteriormente relatados, inclusive pelos Sinóticos. É verdade que, segundo estes, Jesus ressuscitou outras pessoas, e não poderíamos mesmo esperar outra coisa senão ressurreições como fruto da Sua presença. Mas nenhuma ressurreição prévia àquela de Lázaro causou tal impacto, porque nenhuma se revestiu de tanto significado.

Ressurreição de mortos ocorrera desde os tempos do Velho Testamento, e não era, portanto, novidade. Mas a de Lázaro foi singular, no sentido de que evidenciou o poder soteriológico/escatológico de Jesus. Não é por mero acaso que, no contexto deste milagre, o evangelista haja inserido uma referência ao "último dia", bem como aos dois grupos de salvos na consumação final: os que estiverem vivos (os quais, portanto, não morrerão), e os que estiverem mortos (os quais, então, passarão a viver); e tudo isso relacionado com Jesus (vs. 24-26). Ele ressuscitou Lázaro clamando "em alta voz: Lázaro, vem para fora!", e ele "saiu" (vs. 43 e 44). Igualmente, ao voltar, "os que se acham nos túmulos ouvirão a Sua voz e sairão" (5:28); Ele fará ouvir a "voz do arcanjo... e os mortos em Cristo ressuscitarão" (I Tess. 4:16). Como a ressurreição de Lázaro revela, Ele é, com efeito, "a ressurreição e a vida" (João 11:25). A grande questão é: cremos nisto? (v. 26).

Quanto à 1c, o texto é claro em afirmar a origem do poder de Cristo: o próprio Pai (vs. 22, 41 e 42). Poderíamos dizer que esta é uma das passagens subordinativas do Novo Testamento, isto é, que indicam a sujeição do Filho ao Pai. Esta, todavia, nunca ocorre em nível essencial (isto é, Jesus é sujeito ao Pai não por ser essencialmente menos Deus que Ele), mas funcional (isto é, Sua sujeição se deve à função que cumpre no plano da redenção). Note que em 5:21, o mesmo Jesus afirmou: "Assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer."

A importância da confissão de Maria no verso 27, é que nada mudou. "Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre" (Heb. 13:8). Seu poder de ressuscitar mortos ainda é o mesmo. Basta que tenhamos paciência e aguardemos um pouco mais, porque logo isso ocorrerá. Ele ainda é aquele que tem uma resposta a cada indagação, e uma solução para cada problema. Nosso Salvador é todo suficiente. Nenhuma situação é por demais difícil para Ele.

Segunda – Maria e Marta

A lição observa que Marta parecia possuir mais inabalável fé que Maria. Não é prudente dizer que a qualidade de vida de ambas antes da conversão determinou a diferença. Somos muito faltos de entendimento para julgar assuntos que têm a ver diretamente com o relacionamento das pessoas com Deus; por isso o melhor é não arriscar palpites fundamentados no "eu acho!".

Até certo ponto, a fé é um dom do Espírito Santo (ver I Cor. 12:9), e a dotação desse dom, a exemplo de qualquer outro, pode variar de crente para crente. Outro detalhe é que determinada circunstância pode afetar muito mais a meu semelhante do que a mim, mesmo quando ela nos atinja igualmente; o resultado será uma diferença de reação. O que interessa é que Maria possuía fé legítima, ainda que talvez menos intensa que a da irmã.

Aquilo que ambas disseram ao Salvador (ver os versos 21 e 32) é a mais pura verdade. "Se Cristo Se achara no quarto do doente, este não teria morrido. ... A morte não alvejaria a Lázaro com o seu dardo, em presença do Doador da vida." – O Desejado de Todas as Nações, pág. 528).

Quanto à pergunta 3 da lição, observe o 3º parágrafo do comentário de ontem.

Terça – A conspiração para matar Jesus

A ressurreição de Lázaro é também singular no sentido de que culmina as obras de Jesus e abre espaço para o Calvário, onde a morte será derrotada e a vida, garantida para sempre. Ellen G. White afirma que este foi "o último e mais importante milagre de Cristo" (Parábolas de Jesus, pág. 265). Olhada por esse ângulo, bem se pode dizer que ela custou a vida de Jesus.

Como já se viu, há no Evangelho de João (de milagre em milagre) um crescendo de resistência e indignação para com Cristo. Essa reação de antagonismo se volta igualmente contra os que seguem a Jesus, ilustrando aquilo que, mais tarde, Ele lembrou aos discípulos: "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, Me odiou a Mim... Se Me perseguiram a Mim, também perseguirão a vós outros" (15:18-21). O ódio do mundo contra a Igreja existe porque, a exemplo de Jesus, ela não pertence ao mundo (17:14). Assim, o evangelista deixa claro que a experiência de Jesus é a experiência de Seu povo.

Essa progressão do nada para uma expressão máxima de indignação pode ser observada em três sinais que Jesus opera, em Seu ministério na Judéia (precisamente onde se consumará a rejeição por parte dos judeus), e que resultam em benefício físico a determinadas pessoas: o paralítico curado junto ao tanque de Betesda (cap. 5), a restauração da visão ao cego de nascença (cap. 9) e a ressurreição de Lázaro (cap. 11). Há também um crescendo de seriedade e necessidade na condição das pessoas que são atendidas por Jesus: o paralítico está doente há 38 anos, o cego é assim desde o nascimento, e Lázaro está morto há 4 dias.

Voltando à hostilidade do mundo contra os seguidores de Jesus, no primeiro desses três sinais, um não-discípulo é curado, mas nada há explícito no texto que indique que ele haja crido. É verdade que Ellen G. White dá a entender que o homem creu em Jesus (O Desejado de Todas as Nações, págs. 201-203), mas exclusivamente à luz do texto bíblico, há um toque de neutralidade da parte da pessoa beneficiada em relação a Jesus. Tampouco as autoridades reagem contra o ex-paralítico, exceto no que respeita à sua atitude no sábado. Toda a controvérsia é realmente dirigida contra Cristo.

No segundo, também um não-discípulo é curado, mas desta vez é claramente indicado que a pessoa beneficiada se torna um defensor de Jesus e em seguida um crente nEle. O homem é levado diante das autoridades para responder pelo que Jesus lhe fizera, e a situação se intensifica até que estas o "expulsam" (9:34), antecipando-se um quadro de total intolerância.

No terceiro, um discípulo é o objeto do milagre. Daí não ser do interesse de João, ainda que o tema da vida seja preponderante em seu Evangelho, o relato da ressurreição da filha de Jairo e do filho da viúva de Naim, conforme registram os Sinóticos; as pessoas ressuscitadas não eram ainda discípulas. Com a ressurreição de Lázaro, todavia, fica comprovado que "quem crê em Mim, ainda que morra, viverá" (11:25). Ademais, é com o evento do cap. 11 que Jesus atinge, na perspectiva desse evangelista, o clímax de Sua popularidade. A hostilidade contra Jesus e contra o discípulo de Jesus atinge o seu ápice, e as autoridades resolvem que ambos devem morrer (11:53; 12:10).

A lição pergunta que explicação foi dada pelas autoridades do povo para tramarem contra Jesus. A resposta é clara no texto indicado: "Se O deixarmos assim, todos crerão nEle; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação." (11:48). Aqui é o Sinédrio reunido que pondera. A casta sacerdotal exercia grande influência ali e, nessa época, eram os romanos que apontavam quem deveria ser o sumo sacerdote; este escolhia os adjuntos. O sinédrio finalmente deliberou que, por amor à "nação" (deveriam ter dito "por amor aos nossos cargos") Jesus deveria morrer. Em outras palavras, foi o apego à posição, o amor à supremacia, que tramou contra um Homem santo e O conduziu à execução. O pecado original de Lúcifer mais uma vez se evidenciou. Mas assim como pela condenação e execução de Jesus eles condenaram e executaram o povo e o templo (e com isto a posição deles), assim também, ao instigar essas autoridades contra Jesus, Satanás promoveu a própria ruína.

Quarta – Maria de Betânia

A lição tece um ótimo comentário sobre o ato de Maria ungir a Jesus (12:1-8), e a reação de Judas seguida do posicionamento de Jesus em defesa de Sua seguidora, tudo com boas aplicações para a vida. Bonito o pensamento da lição sobre a observação inoportuna de Judas: "Os reclamos do coração não podem ser entendidos pelas forças de marketing da mente. A expressão de amor não conhece custo, e Jesus prontamente aceitou o ministério de Maria."

Acrescentaria o seguinte:

Na lição de anteontem foi comentada a fé possuída por Maria, não tão robusta quanto a de Marta. Foi dito também que "quando finalmente saiu para encontrar Jesus, Maria repetiu a queixa de Marta mas sem afirmação de fé contínua. Ela não recebeu nenhuma revelação de Jesus e Ele não pediu dela nenhuma expressão de fé." Mas embora Jesus não lhe tivesse pedido "nenhuma expressão de fé", sua fé legítima foi expressa, pois levou Maria a agir ungindo a Jesus, o que lhe custou um preço altíssimo (o equivalente a, pelo menos, 10 meses de trabalho! [v. 5]). Em outras palavras, sua fé se expressou numa ato de sacrifício por Jesus. E notem que ela o fez em público; longe de mero exibicionismo, ela queria que todos testemunhassem seu desvelo por Jesus. Possuímos tal fé? Ou achamos mais conveniente a posição de Judas (v. 5)?

Quinta – A cruz iminente

A lição aborda as três reações à ressurreição de Lázaro, conforme relatadas pelo evangelista: (1) as autoridades tramam contra Jesus e mesmo contra Lázaro; (2) Maria executa seu piedoso gesto de gratidão a Jesus; e (3) os numerosos curiosos concorrem a Betânia para ver Lázaro. Indicutivelmente, Maria é o exemplo a ser seguido.

Quanto ao desejo dos gregos de verem a Jesus (12:20 e 21), a lição comenta adequadamente a reação dEle a este pedido, com excelente aplicação espiritual. Há um detalhe, todavia, que me parece importante. A meu ver, o inimigo aproveitou este lance para insistir numa tentação começada quando Jesus Se dispôs a subir, pela última vez, a Jerusalém; isto, é claro, no intuito de frustrar o plano da redenção. Cristo foi tentado a deixar a Palestina, o que O levaria a abortar inteiramente a missão de Sua vida.

Ellen G. White dá uma idéia dos termos desta tentação: "Por que iria agora a Jerusalém, a uma morte certa? Por toda parte, ao Seu redor, estavam pessoas famintas do pão da vida [e isto estava, agora, sendo evidenciado]. Por todo lado, pessoas sofredoras a esperar-Lhe a palavra de cura. A obra a ser operada pelo evangelho de Sua graça apenas começara. E Ele Se achava em pleno vigor da primavera da varonilidade. Por que não ir aos vastos campos do mundo com as palavras de Sua graça, o toque de Seu poder de curar? Por que não Se dar a Si mesmo a alegria de conceder luz e satisfação aos entenebrecidos e sofredores milhões de criaturas?... Por que enfrentar a morte agora, e deixar a obra ainda em sua infância?" – O Desejado de Todas as Nações, pág. 486.

Em outras palavras, o diabo estava usando a própria obra de Deus e o êxito de Jesus nela para desviá-Lo do cumprimento de Sua missão. "Por que não estender esse êxito a todo o mundo?" Mas Jesus firmou-Se no plano do Pai. "A mensagem dos gregos, prenunciando, como fazia, a reunião dos gentios, trouxe à mente de Jesus Sua inteira missão. A obra da redenção passou por diante dEle, desde o tempo em que, no Céu, foi elaborado o plano, até à morte, tão próxima agora." (Ibidem, pág. 624). A difusão mundial desse êxito ocorreria, mas no devido tempo: Ele "sabia que, fazendo... propiciação pelos pecados dos homens, Seu reino seria aperfeiçoado, e se estenderia pelo mundo. Ele operaria como Restaurador, e Seu Espírito havia de prevalecer. Olhou, por um momento, futuro adiante, e ouviu as vozes que proclamavam em toda parte da Terra: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (João 1:29). Viu nesses estrangeiros as primícias de uma grande colheita, quando a parede divisória entre judeus e gentios fosse derribada, e todas as nações, línguas e povos ouvissem a mensagem de salvação." (Ibidem, 622). E, assim, determinou definitivamente ir até o fim: "Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto. Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preservá-la-á para a vida eterna." (12:24 e 25).

"Houvesse Jesus cedido por um instante, houvesse mudado Sua orientação no mínimo particular para Se salvar a Si mesmo, e os instrumentos de Satanás haveriam triunfado, ficando o mundo perdido." Ibidem, pág. 486.

Mas felizmente, Jesus não teve ouvidos para o enganador. Ele sabia que Sua obra de curar, de ensinar as lições do Reino, e mesmo de pregar o Evangelho, não seria de valor algum, se não morresse na cruz pelos perdidos. Assim, Sua resposta foi: "Minha alma está agora conturbada. Que direi? Pai, salva-Me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que Eu vim." (João 12:27 – Bíblia de Jerusalém).


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